31 agosto 2024

Pobres palestinianos


Pobres palestinianos de Gaza onde tantos estão a sofrer o que nenhum ser humano deveria sofrer. Mas, como dizia até o insuspeito Guterres, isto não nasceu do nada, nem começou no dia 8/10/2023. Vejamos.

Pobres palestinianos que na sequência da constituição do Estado de Israel foram empurrados para uma guerra pelos seus vizinhos árabes. Pobres palestinianos que após perderem essa guerra, viram a sua parte da Palestina ocupada pela Jordânia e pelo Egito, em vez de os terem deixado constituir livremente o seu Estado, logo naquela altura.

Pobres palestinianos deslocados que, em vez de se integrarem no novo espaço, foram colocados ad-eternum em estatuto de refugiado, a caminhar já para um século. Os gregos ortodoxos ameaçados que fugiram da Ásia Menor após a formação do novo país Turquia, ainda estão em campos de refugiados do outro lado do mar Egeu?

Pobres palestinianos de Gaza que deixados tranquilos pelos Israelitas por quase 2 décadas, viveram numa prisão, num regime ditatorial severo, sem liberdade de expressão, nem de contestação, donde não se podia sair livremente, nem para o Egito, mas onde podiam entrar camiões plenos de armamento. Pobres palestinianos que viram a larga ajuda externa servir para preparar a guerra em vez de tentar construir a paz e promover o seu bem-estar.

Pobres palestinianos que depois das iniciativas e acordos de paz com os países árabes e a próprio OLP sofrem agora um Hamas, que não tem um mínimo de vontade de encontrar um apaziguamento. E, vai uma aposta, se o Hamas acordar em calar as armas, aparecerá a seguir outra coisa qualquer para retomar a guerra?

Pobres palestinianos que viram o Hamas organizar e desencadear o brutal 7/10, que não teve mais propósito ou efeito do que provocar uma reação brutal do vizinho ameaçado.

Para que fica claro, para quem leu até aqui, Israel tem fama de responder desproporcionalmente e não está a deixar os seus créditos por mãos alheias. Infelizmente a qualidade humana dos seus líderes não está ao nível da dos de há umas décadas (não é só por lá), mas colocar o ónus do sofrimento palestiniano apenas ou principalmente em Israel não ajuda a causa do povo palestiniano.

E, já agora, uma palavra para tantos povos no mundo que estão a sofrer tanto ou mais do que os palestinianos, sem que isso pareça ser relevante para as opiniões publicas publicáveis.

28 agosto 2024

Cronometrando as diferenças

Por estes dias irão começar os jogos paraolímpicos em Paris.

Começando por reconhecer e valorizar o empenho e o esforço daqueles que, apesar de uma desvantagem nascida ou posteriormente recebida, não baixam os braços e procuram ir mais longe e superar-se; continuando por louvar a justiça que esse(a)s bravo(a)s tenham um evento e um local onde possam mostrar ao mundo o resultado do seu ânimo e trabalho, fica-me a questão do cronómetro.

Será que a avaliação e a premiação se podem restringir ao cronómetro (ou pontos marcados), será que o ponto de partida de cada um é suficientemente equitativo, especialmente neste meio com tantas diferenças?

Se pensarmos, por exemplo, nos paraplégicos, parecer ser consensual reconhecer que a desvantagem é bastante uniforme e bem definida. Outros casos, nem tanto, mesmo sem entrar em situações claramente desonestas e aldrabadas. Em Sidney 2000, a seleção espanhola de basquetebol com deficiência mental ganhou a medalha de ouro, cilindrando os adversários porque, dos 12 jogadores, apenas 2 eram realmente deficientes; os outros 10 eram perfeitamente normais, até jogavam em competições “normais” e foi a própria federação quem criou a trafulhice para ter sucesso garantido - que verguenza ò hermanos !!

Diferentes pontos de partida, em que a sorte e a genética resultem em vantagens menos devidas ao mérito, existem, mesmo nas competições “normais”. Imane Khelif, a polémica boxeur argelina, pode ser perfeitamente uma mulher biológica, mas há ali hormonas ou outra coisa, nascidas ou acrescentadas, que lhe dão uma vantagem brutal, face às outras competidoras…

Sem dúvida que o sucesso tem uma parte de inspiração ou genética e uma enorme componente de transpiração. Sem suor, não se vai muito longe, mas, neste caso concreto dos paraolímpicos em particular, o juiz apenas cronómetro parece-me ser potencialmente cruel.

 

27 agosto 2024

Foi ontem


Já disse aí para trás e agora repito que o Glosa Crua não vai muita nessas coisas das efemérides. Mas há sempre exceções e, como a data até foi ontem, fica justificado.

Ontem, a 26 de agosto, fez 36 anos que faleceu Carlos Paião, com apenas 30 anos de vida. Certo que este escritor de canções nunca teve o reconhecimento de outros “monstros sagrados”, mas, passado mais tempo da sua morte do que o tempo da sua vida, não restam dúvidas de que há algo a reconhecer.

Certo que as suas canções não tiveram pretensões de intervenção social ou complexidade formal de outros autores, mas … tão pouco se podem aproximar da básica e grosseira banalidade das canções de outras “variedades”.

Há uma simplicidade e elegância nas suas criações que não aparecem por acaso. No caso particular das letras, que sei avaliar melhor, há apuro e o trabalho de algo que não foi feito em cima do joelho.

Por isso há festa não há gente como esta
Quando a vida nos empresta uns foguetes de ilusão
Vem a fanfarra e os miúdos, a algazarra
Vai-se o povo que se agarra pra passar a procissão
E são atletas, corredores de bicicletas
E palavras indiscretas na boca de algum rapaz
E as barracas mais os cortes nas casacas
Os conjuntos, as ressacas e outro brinde que se faz

Obrigado Carlos pela festa que quiseste fazer e por teres decidido deixado de ser médico para dares alegrias ao mundo.

E vai à nossa
À nossa beira mar
À beira Porto
À vinho Porto mar
Há-de haver Porto
Para o desconforto
Para o que anda torto
Neste navegar

26 agosto 2024

Em V ou em O


Há organizações estruturadas em "V". Com liderança e hierarquia claras, estruturas alinhadas, perseguindo objetivos bem definidos, unidas com relações de confiança transparentes e sãs. Cultivam exigências a 360º, de cima para baixo, de baixo para cima e também para os lados. Movem-se como um todo, com a agilidade e a eficácia de uma águia.

Há outras organizações em "O", onde o fundamental é o círculo estar fechado e as “retaguardas” protegidas, sendo fundamentais as fidelidades tribais acríticas. A dinâmica é secundária, o fundamental é garantir que não haja brechas por onde algo imprevisto possa entrar e ameaçar as ditas retaguardas.  O importante é conseguirem resistir ao cerco que a meritocracia lhes pode colocar. Movem-se de forma pouco definida, a lembrar um caranguejo desconfiado.

Como é lógico, as águias chamarão um figo aos caranguejos. Sempre? Não necessariamente. Quando a cultura dominante e a preferência pelo abrigo em zonas de conforto levam à proliferação das estruturas caranguejo e à rarefação das águias. Aliás, frequentemente, as carências de liderança fazem aparecer vários caranguejos na mesma organização. Será certamente um meio rasteiro onde a vista pouco alcança e que não viaja muito longe, mas… há quem se sinta melhor assim.

21 agosto 2024

Brincamos


A imagem acima é um pouco “mazinha”, mas justifica-se pela falta de seriedade com que se tem tratado a questão do risco de incêndio nos automóveis elétricos.

São referidas estatísticas evidenciando que os automóveis tradicionais de combustão têm um risco até 60 vezes superior ao dos elétricos, mas a questão é que essa estatística é baseada apenas em número de incidentes e todos sabemos que quanto a quantificar riscos e acidentes, há um índice de frequência, número de ocorrências, e um índice de gravidade, considerando os seus efeitos.

Um dia em que há dois despistes que acabam com os carros num campo de batatas não é pior do que um dia em que um único despiste terminou numa paragem de autocarro em hora de ponta.

O contexto e os efeitos dos incêndios nos automóveis de combustão são muito diferentes do dos elétricos. Se compensa a “desvantagem” numérica das 60 vezes é outra coisa, mas ignorá-lo não é sério.

Tipicamente um automóvel convencional incendeia em funcionamento, com alguém ao volante ou perto, que facilmente encosta e, se tiver a previdência de ter um extintor à mão talvez consiga apagar o incendio, e, no pior dos casos, sem arder mais do que o veículo em causa e algumas ervas à volta.

Um elétrico detona frequentemente estacionado e abandonado, a carregar ou não, e não é bem um simples incêndio, é uma brutal explosão alimentada a partir da parte inferior do veículo. Não se apaga, confina-se, e ocorrendo frequentemente em zona densamente ocupada, dificilmente esse confinamento fica pelo veículo inicial.

Daí que o balanço final de cada ocorrência seja potencialmente muitíssimo mais pesado no caso dos elétricos.  Vai uma aposta em que, apesar de todas as mensagens tranquilizadores e estatísticas favoráveis, iremos acabar a ver estações de carga com distâncias mínimas entre veículos regulamentadas ou até muros individuais corta-fogo…?

19 agosto 2024

Desvendando labirintos


Já algumas vezes aí para trás tive a oportunidade e o prazer de referir o quanto aprecio a obra deste escritor libanês (ok, quando ele lá nasceu a zona tinha administração francesa).

Para lá dos seus romances históricos ricos e “humanos”, estamos perante alguém que pensa e com uma latitude de análise que alarga a nossa, caso nisso estejamos interessados. Este “Labirinto dos Perdidos”, sua última publicação, não é romance nem está centrado no seu Levante (Mashrek).

É a história dos sucessos e fracassos de quatro nações cujas transformações mais marcaram o século XX: Japão, Rússia, China e Estados Unidos. O que houve de novo em cada processo, o que fez o a diferença e o sucesso, onde os caminhos se perderam, como os erros chegaram.

É um livro obrigatório para quem tiver curiosidade em entender o que por este mundo está a acontecer… e pode vir a acontecer. Muito bom!

18 agosto 2024

KURSKando

Temos visto recentemente noticias sobre esta cidade e região na Rússia, a propósito da audaz ofensiva ucraniana de fazer sentir a guerra também na casa do outro. Ficamos na expetativa do que vai a seguir fazer Putin, humilhado. Os arrogantes humilhados e impotentes são sempre perigosos imprevisíveis…

Não será a primeira vez que muitos ouviram este nome. Em agosto de 2000 um submarino nuclear russo com o mesmo nome foi vítima de uma expulsão de um torpedo, afundando-se e matando todos os tripulantes. Uma vintena de sobreviventes à explosão inicial acabaram também por morrer, por incapacidade, incompetência, falta de meios e soberba da Rússia que se recusou a ser ajudada a tempo. Na altura Putin, recém-eleito Presidente, foi criticado pela forma arrogante e fria como geriu a catástrofe. Na altura ainda era possível criticar.

E porque é que o submarino se chamava Kursk?  Porque próximo desta cidade travou-se em Agosto de 1943 uma grande batalha, que terminou com a vitória soviética e marcou o fim das iniciativas alemãs na frente leste da 2º Guerra Mundial.

Talvez, para alguns russos, seja uma espécie de repetição da “Grande Guerra Patriótica”. Em volta de Kursk haverá uma batalha entre invasores nazis e patriotas soviéticos. Só que esta suposta repetição é já do domínio da farsa. Para todos os que acreditavam que o fim da guerra 39-45 era um passo irreversível no caminho da liberdade e democracia, para todos os que nos anos 70 viram desaparecer os caudilhos ditadores do sul da Europa, para os que em1989 viram cair o muro que amordaçava metade da Europa, para todos os que acreditavam que mais depressa ou mais devagar o caminho tinha uma direção clara, esta Rússia brutal e desumana veio demonstrar que esse caminho não é assim tão irreversível.

O que está em causa não deveria ser objeto de “nem mas nem meio mas” por parte das gentes de boa vontade, que acredito serem a maioria...

Todos aqueles que se recusam a reconhecê-lo, estão a prestar um péssimo serviço à humanidade e trabalharem para deixarem aos próximos um mundo pior do que o que encontraram quando chegaram.


11 agosto 2024

Judeus, israelitas e Netanyahu


Uma das caraterísticas da xenofobia e de outras limitações cognitivas e/ou desonestidade intelectual é a generalização de um negativo individual para o global da comunidade. Há um Xieiro que cuspiu para o chão? Os Xieiros são gente que cospe para o chão. Há nazis na Alemanha, a Alemanha é terra de nazis. Há manifestações racistas na Inglaterra… os ingleses são racistas. Esta generalização será tanto mais fácil e intensa quanto menor for o conhecimento efetiva da realidade objetiva e facilidade manipulativa. Já agora, antes de 1974, os portugueses eram todos fascistas?

Isto vem a propósito do antissemitismo que ressurge por estes tempos, supostamente na sequência da intervenção de Israel em Gaza. Claro que a ação de Netanyahu em Gaza tem aspetos condenáveis, claro que o indecente ataque de 7/10 “obrigava” a uma reposta e claro que, atendendo à forma como o Hamas faz das populações civis escudos humanos, essa resposta afetaria certamente inocentes.

Agora, Israel é um país onde há quem discorde de Netanyahu e pode demonstrá-lo livremente na rua sem ficar com ossos partidos ou pior. E assumir que todos os judeus aplaudem e apoiam os excessos do poder atual em Israel e com isso relançar um antissemitismo global é ignorância, estupidez ou pior.

Convém recordar que todas as guerras Israel – Palestino/árabes não foram provocadas por Israel e quem lança uma guerra e perde, perde …. Convém recordar que a faixa de Gaza esteve livre, se é que para um território sob o controlo do Hamas essa expressão possa ser usada, sem presença de ocupante israelita, desde 2005…

Enfim, a facilidade com que se abraça o antissemitismo é um reacender de coisas que infelizmente não querem desaparecer. É rancor e ódio contra uma comunidade diferente e invejada por ser frequentemente próspera? É a nostalgia dos estados nação religiosamente homogéneos onde outros credos fugiam ao controlo e promiscuidade entre religião e Estado? Isto e ou muito mais, é triste e, desculpem lá uma ironia final. Frequentemente aqueles que pedem todo o respeito e tolerância para alguns “outros”, que até apresentam códigos sociais incompatíveis com a nossa norma, são os mesmos que lançam este ódio contra estes “outros” que não atrapalham rigorosamente nada nem ninguém na nossa sociedade. Descubra as diferenças…