20 janeiro 2022

Pessoa e Salazar


No meu cabaz de Natal, ou no sapatinho, ou na meia… chegou este livro, acima ilustrado.

Pessoa era genial, mas não tão louco como muitos grandes criativos, que têm alguma dificuldade em conseguir uma vista equilibrada e racional sobre a política e a sociedade em geral. Este excerto já de 1925 é representativo

Tio Mussolini e Abade Lenine

Seguimos o princípio contrário ao do tio Mussolini e ao do abade Lenine. Desoprimir. Tornar os outros diferentes do que nós queremos! Ensinar cada homem a pensar pela sua cabeça e a existir com a sua existência – só com a sua existência.

É muito interessante a evolução da visão de Pessoa sobre Salazar, inicialmente como alguém que sabia o que queria em termos das desgraçadas contas públicas, que o comunica e implementa, depois como alguém que reduz o governo do país a um exercício de contabilidade e finalmente alguém que pretende secar e anular tudo o que for desalinhado com a sua visão (estreita) e objetivos.

1935

Inteligente sem flexibilidade, religioso sem espiritualidade, ascético sem misticismo, este homem é produto de uma fusão de pobrezas: alma campestre sórdida do camponês de Santa Comba, que apenas se alargou na pequenez pela educação no seminário, por todo o inumanismo  sórdido de Coimbra, pela especialização rígida e pesada do seu destino desejado de professor de finanças. É um materialista católico (e há muito assim), um ateu nato que respeita a virgem. […]

Em Salazar, há sempre materialismo, há sempre o pequeno contabilista. Não podemos sonhar porque o sonho não é remunerável.

Tudo esta evolução ocorre em apenas 7 anos e pensarmos que Salazar sobreviveu no poder ainda mais 33 anos ao poeta e filósofo é assustador. E pensarmos que o regime ainda durou mais 6 anos após a saída do seu criador…

Podemos entender que a seguir à catastrófica e anárquica primeira República, houvesse forte predisposição a aceitar quem viesse pôr ordem na casa.  Agora que isso tenha continuado tanto tempo, quando já em 1935 era claro a todos que quisessem ver ao que o homem vinha, assusta-me. Porque, obviamente, não basta diabolizar Salazar. Se o regime tanto aguentou foi por ele e não só.

Hoje, quando vemos as trapalhices em que a nossa governação se afunda, sem parecer ter capacidade de se auto regenerar…

 

2 comentários:

Júlio Resende disse...

Há muitos anos, logo a seguir ao 25 de Abril, ouvi a opinião de umemigrante português no Brasil. Dizia ele que o Salazar veio acabar com as piadas que os brasileiros faziam sobre os imigrantes portugueses acerca do estado das Finanças em Portugal. Estas piadas só terminaram depois da entrada de Salazar na gestão das finanças em Portugal.

Hoje, contamos nós piadas sobre os brasileiros e sobre os assuntos de estado no Brasil, e assistimos à fuga de brasileiros para Portugal a procura de uma vida melhor. Sinal de que conseguimos dar a volta.

E há uma grande diferença; hoje somos elogiados por países europeus, com ênfase para figuras portuguesas em lugares de destaque em ‘empregos’ internacionais.

Poderíamos fazer melhor? Penso que sim. Talvez a instabilidade política, ou seja, a alternância de poder, é que está a estragar tudo. Muito gostava de viver mais 6 anos de estabilidade governativa, ou seja, mais seis anos de governo PS.

Carlos Sampaio disse...

Um assunto é o controlo da despesa, outra é a criação da receita. Neste último capítulo as opiniões sobre o desempenho económico do Estado Novo dividem-se. Outra questão é o quadro social e de liberdade. Penso que poucos aceitarão ser ricos num modelo chinês.

As figuras portuguesas em lugares de destaque não são operacionais a mandar mesmo, são basicamente “diplomatas” que têm de encontrar pontes e promover diálogo entre potencias e interesses divergentes. Para isso temos algum jeito, mas é diferente de liderar e governar mesmo.

A não alternância de poder apodrece os regimes. Não estás a sugerir uma “estabilidade” tipo Estado Novo, pois não? O que falta é coragem e seriedade, que este governo não tem. No regime democrático já tivemos várias falências, a última por um senhor ainda muito querido de uma parte do eleitorado – José Sócrates. Com a inflação e o aumento das taxas de juro, não devemos precisar de 6 anos para dar com a cabeça na parede de novo, não tendo aproveitado os tempos calmos para nos prepararmos para a tempestade.