15 novembro 2025

Podia ter sido diferente


Por estes dias escutei num dos podcasts do Observador a espantosa vida de Jorge Jardim. Dava um filme de fazer inveja a James Bond, ainda por cima tratando-se de realidade e não de ficção. O homem tinha iniciativa, coragem, habilidade, uma capacidade enorme de viajar, sobrevoar e superar desafios, perigos e dificuldades e, se calhar, alguma falta de “bom-senso”. Ter sobrevivido a tantas peripécias foi questão não só de sorte, mas também.

Uma grande curiosidade é a sua proximidade com Salazar, quando ideologias à parte, a distância de carácter devia ser enorme entre quem corria as quatro partidas do mundo, de todas as formas e feitios, e quem voou uma única vez entre Lisboa e Porto em 1966, dois anos antes de cair da cadeira, não gostou, não repetiu e ir além de Badajoz não estaria ao nível de transpor o Adamastor, mas quase.

Já nos anos 70, Jardim, homem do regime radicado em Moçambique, entende que a guerra colonial não é solução e começa a negociar por contra própria em Lusaca um acordo de independência para a colónia, equilibrado, procurando lugar para todos. Quando Lisboa soube, estupidamente não aprovou…

Veio o 25 de Abril e o novo poder entregou à Frelimo tudo de mão beijada sem condições, nem obrigações e deu no que deu, outro erro de Lisboa. Um padrão infelizmente frequente nas descolonizações, quando os movimentos de libertação são reconhecidos como legítimos e únicos representantes do “povo”, sem pedir opinião ao povo, nem nesse momento, nem depois.

Este ano comemoraram-se 50 anos dessas independências e, mais uma vez, lá vieram os discursos sobre a responsabilidade da herança colonial nas “dificuldades” atuais. Se seguirem a escola do Brasil, daqui a 50 anos Portugal ainda continuará a arcar com a culpa pela miséria e subdesenvolvimento. Há uns tempos Lula da Silva referia que o facto de a primeira universidade brasileira ter sido criada apenas em 1920 (facto contestável) era uma consequência da colonização portuguesa. Considerando que o seu país ficou independente em 1822, esta influência nefasta projetada por 100 anos, parece coisa de feitiço ou magia-negra, que desconhecia ser assim tão poderosa nestas latitudes.

Voltando às nossas colónias africanas, seja em 1973, seja em 1975, as ações e o resultado podia ter sido diferente.

Podemos certamente criticar o racismo e as desigualdades sociais no tempo das colónias. Devemos também reconhecer que o resultado das independências está muito longe de ter constituído uma melhoria das condições de vida para as populações. Voltando ao Eng Jardim e a Moçambique, ver imagens do estado atual do seu Grande Hotel da Beira, é representativo da evolução do país nestes últimos 50 anos.

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