Por estes dias escutei num dos podcasts do Observador a espantosa vida de Jorge Jardim. Dava um filme de fazer inveja a James Bond, ainda por cima tratando-se de realidade e não de ficção. O homem tinha iniciativa, coragem, habilidade, uma capacidade enorme de viajar, sobrevoar e superar desafios, perigos e dificuldades e, se calhar, alguma falta de “bom-senso”. Ter sobrevivido a tantas peripécias foi questão não só de sorte, mas também.
Uma grande curiosidade é a sua proximidade com Salazar,
quando ideologias à parte, a distância de carácter devia ser enorme entre quem
corria as quatro partidas do mundo, de todas as formas e feitios, e quem voou
uma única vez entre Lisboa e Porto em 1966, dois anos antes de cair da cadeira,
não gostou, não repetiu e ir além de Badajoz não estaria ao nível de transpor o
Adamastor, mas quase.
Já nos anos 70, Jardim, homem do regime radicado em
Moçambique, entende que a guerra colonial não é solução e começa a negociar por
contra própria em Lusaca um acordo de independência para a colónia, equilibrado,
procurando lugar para todos. Quando Lisboa soube, estupidamente não aprovou…
Veio o 25 de Abril e o novo poder entregou à Frelimo tudo de
mão beijada sem condições, nem obrigações e deu no que deu, outro erro de
Lisboa. Um padrão infelizmente frequente nas descolonizações, quando os
movimentos de libertação são reconhecidos como legítimos e únicos
representantes do “povo”, sem pedir opinião ao povo, nem nesse momento, nem
depois.
Este ano comemoraram-se 50 anos dessas independências e,
mais uma vez, lá vieram os discursos sobre a responsabilidade da herança
colonial nas “dificuldades” atuais. Se seguirem a escola do Brasil, daqui a 50
anos Portugal ainda continuará a arcar com a culpa pela miséria e
subdesenvolvimento. Há uns tempos Lula da Silva referia que o facto de a
primeira universidade brasileira ter sido criada apenas em 1920 (facto
contestável) era uma consequência da colonização portuguesa. Considerando que o
seu país ficou independente em 1822, esta influência nefasta projetada por 100
anos, parece coisa de feitiço ou magia-negra, que desconhecia ser assim tão
poderosa nestas latitudes.
Voltando às nossas colónias africanas, seja em 1973, seja em
1975, as ações e o resultado podia ter sido diferente.
Podemos certamente criticar o racismo e as desigualdades
sociais no tempo das colónias. Devemos também reconhecer que o resultado das
independências está muito longe de ter constituído uma melhoria das condições
de vida para as populações. Voltando ao Eng Jardim e a Moçambique, ver imagens
do estado atual do seu Grande Hotel da Beira, é representativo da evolução do
país nestes últimos 50 anos.

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