Apesar de poder não o parecer à primeira vista, eu acho que Natal rima muito com Torga:
Natal.
E, só pelo facto de o ser, o mundo parece outro. Auroreal
e mágico. O homem necessita cada vez mais destas datas sagradas. Para
reencontrar a santidade da vida, deixar vir à tona impulsos religiosos
profundos, comer e beber ritualmente, dar e receber presentes, sentir que tem
família e amigos, e se ver transfigurado nas ruas por onde habitualmente
caminha rasteiro. São dias em que estamos em graça, contentes de corpo e
lavados de alma, ricos de todos os dons que podem advir de uma comunhão íntima
e simultânea com as forças benéficas da terra e do céu. Dons capazes de fazer
nascer num estábulo, miraculosamente, sem pai carnal, um Deus de amor e perdão,
contra os mais pertinentes argumentos da razão.
Miguel Torga, in Diário (1985)
Natividade
Nascer e renascer...
Ser homem quantas vezes for preciso.
E em todas colher,
No paraíso,
A maça proibida.
E comê-la a saber
Que o castigo é perder
A inocência da vida.
Nascer e renascer...
Renovar sem descanso a condição.
Mas sem deixar de ser
O mesmo Adão
Impenitentemente natural,
Possuído da íntima certeza
De que não há pecado original
Que não seja o sinal doutra pureza.
Miguel Torga in Diário XIII
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