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31 agosto 2025

Ser comunista (VII)

 7)       Para finalizar

Divórcios entre princípios apresentados e práticas desenvolvidas não são uma raridade na cena política. No caso dos comunistas é um pouco diferente, na medida em que eles defendem princípios falidos e ao mesmo tempo apoiam degenerações da aplicação dos mesmos, numa espécie de círculo quadrado.

Ser-se hoje comunista é um exercício mais de “ser contra” o mundo ocidental liberal e democrático do que “ser a favor” de uma teoria e práticas coerentes.

Frequentemente o inimigo dos inimigos é declarado amigo ou aliado. Vemos isso no apoio e simpatia de certa esquerda para regimes brutais, em várias latitudes, irmanados de um objetivo comum, o de destruir o regime liberal ocidental.

Um grande problema pode chegar, no entanto, no dia seguinte e um bom exemplo é o do Irão. A esquerda aliou-se aos islamistas para destituir o Xá, pró-ocidental, tiveram sucesso, mas, uma vez os islamistas no poder, a vida não foi fácil nem longa para os comunistas. Poderia ser uma boa lição para algumas sintonias que vemos atualmente entre chamados progressistas e notórios obscurantistas.

Não tenho simpatia por xenofobismos, racismos ou autoritarismos arrogantes, mas acho curioso que aqueles movimentos que já provaram e assumiram práticas antidemocráticas se queiram erguer em baluartes na defesa da democracia contra os perigos da extrema-direita. Não, não é por aí que fico tranquilo.

O que é exatamente ser comunista, hoje? Não sei!

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30 agosto 2025

Ser comunista (VI)

 6)       O nosso PCP

Durante o Estado Novo, o PCP foi uma das forças mais bem organizadas e ativa na oposição ao regime, embora seja pena que muitos dos arquivos da Pide relativos a esse tempo tenham desaparecido. Há quem diga que embarcaram para Moscovo…

Nessa época, qualquer opositor era etiquetado com o anátema de “comunista”, uma certa generalização, da mesma forma como em 1975 um não comunista era marcado como “fascista”.

Houve coragem de quem ousou ser opositor e isso é de reconhecer. No entanto, não foi o PCP quem fez a revolução de Abril e a sua ação posterior foi pouco democrática. Não é aqui local para concretizar todas as formas como os comunistas se tentaram apropriar do regime, mas o condicionarem os partidos políticos legitimados democraticamente, incluindo o cerco da Assembleia Constituinte, e o tentar prolongar o poder do MFA e do “Conselho da Revolução”, são bons e simples exemplos.

A chamada legitimidade revolucionária pode ser necessária e eficaz no dia da revolução, quando um vazio criado tem de ser preenchido por alguém e não há tempo nem condições para constituir e dar poder a novos órgãos com outra legitimidade, mas a dita, revolucionária, esvaziar-se-á em seguida, de dia para dia, e tentar mantê-la permanentemente chama-se apropriação.

Não faltam por esse mundo fora países onde a legitimidade revolucionária de quem combateu o colonizador continua a validar a sua presença no poder por décadas e gerações. Por norma não são casos de sucesso no que diz respeito à qualidade de vida dos seus cidadãos.

Felizmente Portugal teve a maturidade suficiente para deslegitimar esta “legitimidade revolucionária” com muito pouco drama e sangue e, apesar de todas as deficiências atuais do sistema e dos partidos, estamos muito melhor do que estaríamos se tivéssemos ficado exclusivamente nas mãos dos marxistas puros e duros.

Tudo isto para concluir que ser comunista em Portugal pode ser invocar os pergaminhos das lutas passadas contra a ditadura, mas a sua ação em 1975 preparava outra – “Olhe que sim, olhe que sim!”. Não, não é um partido defensor da liberdade.

Deixando o passado, hoje o PCP é um partido que não fez a prova de fogo de estar no poder democraticamente e não sabemos bem como se comportaria se disso tivesse oportunidade. Aplicaria a cartilha original de Marx, a prática de Estaline ou o sistema de Putin?

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Ser comunista (V)

 5)       Os órfãos e os padrastos

Os regimes socialistas nasceram em geral na sequência de revoluções, mas fatalmente acabaram confiscados por uma elite de iluminados autoritários, para quem o “povo” e os desfavorecidos para nada mais são chamados ou ouvidos. O partido é que tudo sabe e tudo decidirá para o seu (…) melhor.

O “sistema” Estaline não tinha por objetivo apenas reprimir opositores. Os milhões de presos, deportados e assassinados não eram todos perigosos conspiradores que ameaçavam os alicerces do regime. Numa grande parte eram apenas cidadãos “lambda” que por um sim ou um não, ou apenas por nada, foram apanhados nas rodas de uma engrenagem sinistra cujo poder se afirmava pela (in) discricionariedade do terror.

Já referi acima que as bases puras do marxismo falharam na prática. Agora, porque os seus crentes continuaram cegos e tolerantes face à barbaridade de Estaline e correspondentes? Julgo que Marx não aprovaria. Aliás, os revolucionários russos que não aprovaram tiveram problemas de esperança de vida. 

Muitíssimo mais curioso e inquietante é a posição dos comunistas relativamente à Rússia atual. Deixando de lado as práticas criminosas do regime, os seus fundamentos económicos e políticos não têm nada, mas mesmo nada que ver, com a cartilha de “A Capital”. Como então os comunistas, adotados e depois órfãos de Estaline se tornam enteados de Putin?

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29 agosto 2025

Ser comunista (IV)

4)   Ser do contra

Há sempre quem queira um mundo diferente daquele em que vive. É natural e até muito frequente em camadas sociais e intelectuais elevadas. Pode até ser salutar, no sentido de nos fazer questionarmo-nos.

Daí que os modelos “alternativos” ao vigente despertem tanto interesse e simpatia, muitas vezes pelo simples facto de serem diferentes e até antagónicos. Veja-se a moda do “maoismo” nos círculos universitários há umas décadas. Não era mais do que óbvio que, objetivamente, as políticas de “Grande Salto em Frente” e “Revolução cultural Chinesa” eram absurdos criminosos a merecer denuncia, repudio e condenação veementes?

Uma palavra também para a “inteligência” europeia que continuou durante muito tempo a ignorar e a relativizar goulags e repressões brutais na Europa de Leste em nome de uma solidariedade com… ou antagonismo face a ….? Racionalmente, não se explica.

Um pequeno exemplo, o intelectualmente brilhante Jean Paul Sartre e “supremo papa” do existencialismo, uma das mais importantes correntes filosóficas do século XX, visitou várias vezes a URSS nos anos 50 e 60, concluindo que “A liberdade de crítica é total na URSS”. Os críticos deportados nos Goulags devem lhe ter ficado reconhecidos, já sem referir os caídos frente à parede de execução, cuja não existência prática não parecia relevante para o existencialista teórico.

Podemos fazer uma campanha contra os malefícios do vinho, mas propondo, em alternativa, aguardente (ou vodka) ?! Enfim…

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Ser comunista (III)

 3)       Marxismo hoje

Quase dois séculos decorridos desde o estabelecimento das teorias de Karl Marx, os regimes políticos na Europa/Ocidente estabilizaram nos seus fundamentais e algumas experiências de marxismo foram realizadas por esse mundo fora, todas indiscutivelmente sem sucesso.

Deixando de lado as derivas criminosas como o estalinismo ou os khmers vermelhos, o certo é que a coletivização e estatização da economia não trouxeram prosperidade em nenhuma latitude onde foram testadas, pelos menos comparando com os países liberais e capitalistas. Funcionário dificilmente rima com inovador.

Alguns partidos socialistas europeus, que até incluíam o marxismo na sua certidão de nascimento, fatalmente colocaram-no na gaveta ao chegarem ao poder e ao serem confrontados com a realidade. Sim, falo da famosa frase de Mário Soares e também, por exemplo, da mais recente metamorfose do Syriza na Grécia.

Ninguém, no poder, defende largos programas de estatização da economia. As nacionalizações que vemos são boias de salvamento pontuais, lançadas a empresas “estratégicas” em dificuldade (por norma com sucesso muito questionável), mas não parte de uma política intervencionista geral.

Sem pôr em causa o modelo fundamental, os inquilinos do poder anunciam umas nuances publicitárias, a direita será mais amiga dos ricos e a esquerda dos pobres. A questão fundamental aqui é se o objetivo principal é acabar com os ricos ou acabar com os pobres.

As previsões de Marx de que quanto mais capitalismo, mais condições e probabilidades de uma revolução socialista também falharam redondamente. É a pobreza que cria instabilidade, não a riqueza. Apesar de algumas injustiças sociais que existem, as condições relativas da “classe operária” não têm comparação com as do século XIX e não faltam exemplos de operários que com capacidade e iniciativa se tornaram empresários, criando riqueza sem precisarem de lançar revoluções disruptivas.

O Estado tem um papel fundamental a desempenhar, certamente, mas de regulação e supervisão, não de propriedade e de gestão direta.

De um ponto de vista estritamente racional, continuar hoje a defender a viabilidade e a bondade do modelo marxista, não está ao mesmo nível de defender que a Terra é plana, mas pouco menos, tantas são as evidencias em sentido contrário.

Então, se não é por racionalidade, será por emotividade?

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28 agosto 2025

Ser comunista (II)

2)       O contexto histórico

É importante analisar os acontecimentos históricos dentro do contexto em que ocorreram. Neste caso, o marxismo nasce em meados do século XIX, um período de mudanças políticas e sociais enormes. Há a consolidação da revolução industrial que traz um enorme desenvolvimento e enriquecimento, não muito bem distribuído; há a transição do absolutismo para o liberalismo, com avanços e recuos. 

Não há revoluções todos os dias, mas a frequência é elevada. Por exemplo, em 1848 houve uma “primavera dos povos”, com revoluções e perturbações simultâneas em França, Áustria, atuais Itália e Alemanha, Irlanda, Suíça, Hungria, além de outras instabilidades na América Latina.

França que desde a sua revolução de 1789 foi uma espécie de laboratório de ensaio destas convulsões, tem o seguinte histórico de transições no século XIX.

1789 – Revolução inicial

1792 – Primeira República

(1793-1794) Terror de Robespierre e jacobinos

1799 – Consulado Napoleão Bonaparte

1804 – Primeiro Império (Napoleão Bonaparte)

1814 – Restauração monarquia Bourbon

1820 – Revolução e instituição da monarquia de Orleães

1848 – Revolução e instauração da Segunda República
               (Luís Napoleão eleito Presidente da República)

1851 – Luís Napoleão instaura Segundo Império

1870 – Queda de Luís Napoleão e instauração da Terceira República

Portanto: em 100 anos, como regime, temos 3 monarquias, 2 impérios e 3 repúblicas. Alguns destes eventos tiveram repercussões no resto da Europa, como especialmente o de 1848, acima referido. Curiosamente Portugal foi poupado a essa data porque, frescamente saído da guerra da Patuleia, era cedo para novos transtornos.

Voltando ao marxismo, pode-se entender que neste período em que “tudo acontecia” seria “normal” imaginar, especular e propor uma forma radicalmente diferente de organização política, económica e social, que nunca tinha sido tentada e que poderia ser a “solução” que faltava encontrar.

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Ser comunista (I)

 O que é ser comunista?

1)       Pelos princípios, pelas origens

Julgo ser consensual afirmar que ser comunista é, antes de tudo, ser marxista, abraçando e defendendo as ideias e o modelo de sociedade propostos por Karl Marx em meados do século XIX. Não é objetivo aqui desenvolver em detalhe o que é esse sistema marxista, apenas começar por recordar apenas algumas ideias base.

Será um modelo económico centrado no Estado, no coletivismo, inimigo da iniciativa privada e da acumulação de capital, tudo tendo como resultado a melhoria das condições de vida das classes mais desfavorecidas. Marx previa inclusive que o capitalismo se autodestruiria e seria nos países capitalistas que a revolução marxista iria naturalmente despontar e se consolidar.

E depois…? 

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