06 outubro 2024

(Des)cruzadas


É sempre interessante ver os dois lados, embora, com todo o respeito pelo Amin Maalouf e pelos seus excelentes escritos, do outro lado dos cruzados não estavam árabes, mas sim uma multitude de povos do Médio Oriente e não só. Saladino, o grande herói dos “árabes” que reconquistou Jerusalém aos “francos”, era de origem … curda. Quem diria. Uma etnia hoje não muito acarinhada por quem lhe constrói estátuas e venera como grande herói do Islão.

Árabe era, sem dúvida, o 2º califa, Omar, que conquistara a cidade aos bizantinos em 637, 15 anos apenas após a Hégira e a fundação oficial do Islão.

Hoje em dia associa-se cruzadas a abusos, barbaridades e violentas campanhas de evangelização, mas não é isso que me ficou. A não consolidação da presença latina na zona é capaz de ser precisamente resultado de o seu programa ser muito militar e pouco evangelizador/cultural. As cruzadas procuraram principalmente controlar e aceder à terra santa, nomeadamente Jerusalém. Acessoriamente marcar o poder de alguns papas e dar espaço de conquista a alguns senhores feudais aventureiros, posteriormente mesmo a reis, num caldo de misticismo medieval.

Não deixa de ser algo curioso que na mesma época a reconquista da península ibérica, “arabizada” a partir de 711, tenha sido consolidada a meados do século XIII, enquanto no outro extremo do mediterrâneo tudo acabou no final desse século com a conquista final de Acre pelos mamelucos (já agora, de árabes tinham pouco). Porque é que dois processos com tanto em comum no contexto e no calendário tiveram desfechos tão diferentes?

Falar atualmente em novas cruzadas, a propósito das intermináveis crises no Médio Oriente, é uma expressão sonante, mas oca de significado. Ninguém pega hoje na cruz (ou na metralhadora) para remissão de pecados e garantir acesso ao Paraíso…

Refletir sobre paralelismos e divergências entre processos históricos com o impacto que estes tiveram é um desafio aliciante. Por isso, hoje ficamos sem conclusões.

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