03 junho 2021

Do paternalismo ao autoritarismo


A definição de Direitos Humanos abarca questões fundamentais pouco sujeitas a revisões ou atualizações de contexto. Novos contextos podem obrigar a novas regulamentações, apenas. Daí que a recentemente publicada famosa “Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital”, me pareça logo excessiva em termos de título.

Quanto ao conteúdo há algumas curiosidades. Uma é o tom paternalista como o Estado promete tratar de tudo e proteger os cidadãos “vulneráveis”. Nesse sentido vem o famoso artigo 6 –“Direito à proteção conta a desinformação”, definindo-se esta como “toda a narrativa comprovadamente falsa ou enganadora criada […] para enganar deliberadamente o público, e que seja suscetível de causar um prejuízo público, nomeadamente ameaça aos processos políticos democráticos, […]”. Os “spins doctors” tanto do agrado dos políticos, chamados para criar e gerir narrativas simpáticas, evitando que o público se aperceba da verdadeira dimensão dos erros cometidos, estão tramados. Se isso não é uma ameaça aos processos políticos democráticos…

Há apenas duas dimensões limitadoras da liberdade de expressão e não específicas da chamada era digital. Uma é a penal, para a qual existem leis e tribunais; outra, especialmente importante para quem tem responsabilidades públicas, é a ética – é feio mentir, mesmo não sendo crime.

O Estado vigiar a desinformação e apoiar a criação de estruturas de verificação de fatos, será talvez uma forma de controlar o estrume, sendo este o resultado de um processo de decomposição e um excelente fertilizante, fazendo medrar verdades a partir de podridões.

A fronteira entre o paternalismo e o autoritarismo pode ser atravessada com muito facilidade e o nome correspondente é muito feio.

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