09 abril 2018

O Povo é sereno…?


Estávamos no ano quente de 1975 e durante uma manifestação no Terreiro do Paço, de temperatura diferente da então dominante nas ruas, ouviram-se umas explosões, sem se entender de onde nem como. Na tribuna, Pinheiro de Azevedo ia tentando controlar a situação dizendo “O povo é sereno, o povo é sereno!”. Era um daqueles momentos quando umas palavras noutro sentido facilmente lançariam uma vaga de estragos e violência. Costuma-se dizer que a multidão é acéfala, que quando está na rua e minimamente excitada, umas palavras de ordem incendiárias encontram sempre recetores que a amplificam, desencadeando uma reação em cadeia, descontrolada. As palavras de Pinheiro de Azevedo naquele momento buscavam precisamente desarmar essa carga na multidão e evitar os estragos.

Nos tempos que correm, as concentrações já não são apenas, nem principalmente, físicas e presenciais. Nos fóruns, nas caixas de comentários das páginas de informação ou de opinião e nas redes sociais encontra-se muita gente e, não raro, assistimos a um comportamento que lembra essa acefalia da turba. Seja pelas maldosas (criminosas?) notícias falsas, pelos discursos faciosos, pelas visões rancorosas, pela falta de educação ou pela arrogância da ignorância, não falta combustível a excitar a multidão e esta responde. Está bem que nesse mundo virtual não se sai em magote pelas ruas e praças a quebrar e a incendiar, mas há fraturas e terra queimada que, não sendo físicas, não deixam de ser reais e seriamente prejudiciais ao bem viver em respeito pela pluralidade.

Aqueles que vêm a realidade filtrada pela simpatia, acharão cada fenómeno positivo ou negativo conforme afetar a sua causa ou a do inimigo… e não esquecerão de amplificar, coisa de garantir que funciona para o lado que interessa.

Sendo que a base do fenómeno, o meio em que ocorre, é uma realidade irreversível, como iremos ficar? Haverá um aumento de maturidade e um esmorecer dessa excitação agressiva ou passaremos definitivamente a viver num mundo mais intolerante e irrespirável? O futuro o dirá, sendo que é construído por nós todos. Poderemos sempre dar uma ajudinha… para o mal ou para o bem.

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