Wuhan, até há pouco tempo o nome de uma cidade chinesa que poucos reconheceriam ou conseguiriam apontar num mapa. Num daqueles horripilantes mercados de animais vivos, um vírus viajou e entrou na espécie humana. Depois, o regime chinês tentou abafar a divulgação da má noticia, atrasando dramaticamente a sua identificação e contenção inicial.
Já em 2002 o SARS, com algumas analogias, tinha posto o mundo de sobreaviso. Se este seguisse o mesmo caminho, os estragos seriam limitados e aceitáveis, pelo menos para o nosso mundo. Sobranceria? Depois, passou aos países vizinhos, de onde se acreditava que não sairia de forma significativa.
Seguia-se a evolução, em primeira mão, no Asiatimes e especulava-se, à distância, sobre o efeito da paragem chinesa na cadeia de fornecimento global. Apesar do tempo perdido pelo encobrimento inicial chines, ninguém viu vir o que estava para vir. Esperou-se calmamente com medidas prévias que provaram ser manifestamente inadequadas. Depois, passamos a ver as notícias principais nos jornais europeus.
O mundo descobriu que o bicho era simplesmente incontrolável, silenciosamente transmissível, com uma facilidade e uma eficiência alucinantes. Ninguém está a salvo, nem se sabe bem onde estarão exatamente os 4 a 5% dos casos complicados. Lentamente, o nosso mundo foi perdendo a descontração de que era apenas uma coisa longínqua, no limite uma gripe mais forte, para ser algo que nos poderia fazer despedir definitivamente de um próximo querido. Demasiado lentamente. Já com a noção clara de que o bicho era muito mais perigoso do que inicialmente se pensava, em 8 de março houve amplas manifestações em muitas capitais europeias e a 15 de março França foi a votos.
Vivemos a urgência sanitária, de ver a evolução diária das estatísticas, da emoção dos que sofrem sós e dos que partem desacompanhados. Quase que já há notícias de outra coisa nos média. Entretanto, apercebemo-nos de que a brutalidade das medidas de contenção e mitigação da epidemia provocarão feridas brutais ao tecido económico e social. Depois, o mundo sairá daqui diferente, atividades económicas desaparecerão e comportamentos sociais mudarão.
Para lá do que tudo o que cada um pode fazer por si e por todos, o Estado tem um papel fundamental neste momento, mais do que talvez nunca teve nas últimas décadas. Há uma fase transitória de responder ao problema sanitário e de atender às primeiras necessidades económicas e sociais. Mas ele próprio tem limites, como amargamente já descobrimos num passado recente. Não vai poder acudir a tudo para sempre.
Depois da estabilização sanitária, que nem sabemos quando virá nem como, há dois desafios cruciais para a sociedade. Sobriedade e seriedade no acesso e utilização das ajudas estatais transitórias e iniciativa e empreendedorismo para se reposicionar na nova realidade. Depois de contados os mortos e fechados os hospitais improvisados, o pior que poderá acontecer é vermos enraizada uma dependência permanente e insustentável das ajudas do(s) Estado(s), ainda pior com alguma inevitável desonestidade à mistura. Porque aí a tolerância será pequena e mudanças mais profundas serão possíveis, como o colapso e transfiguração radical do sistema social e político. Só com lideranças sérias e esclarecidas, apesar de o passado recente não ter sido bom exemplo, e sociedade civil responsável e exigente, podemos encarar um depois que não seja um final definitivamente dramático.
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