30 janeiro 2019

Em busca do círculo quadrado


Corria o longínquo mês de junho de 2016 quando ocorreu mais uma inglesice, britanice ou reino unidiotice. Um referendo sobre a permanecia do Reino Unido na UE. À partida seria mais uma “pequena” prova de fogo, tal como os referendos de má memória aos tratados europeus, que tantos sustos causaram. Podia ter sido apenas mais uma ameaça, mas não foi...

No dia seguinte voava nos ares a pergunta incrédula: e agora, o que se segue? Os políticos de sua majestade viram-se na amarga necessidade de limpar uma porcaria, que eles tinham espalhado, uns mais do que outros, e para a qual não possuíam detergente. Se pensarmos na questão irlandesa, que parece ser um dos problemas fundamentais, é óbvio estarmos perante uma quadratura de círculo. Aparentemente ninguém quer fronteira física entre a República e a Irlanda do Norte, permanecendo esta assim, na prática, integrada na Europa em termos de libre circulação. Se bem entendi, a Europa não o pode permitir sem nenhum tipo de controlo ou salvaguarda e o UK não quer aceitar esta interferência europeia…

No fundo, no fundo a culpa imediata desta trapalhada é de quem resolveu referendar uma coisa que não se sabia bem como seria. Podia ter corrido bem se a resposta fosse outra, mas como não o foi, está um imbróglio bem atado. A culpa mais remota foi de quem vendeu uma vaga ideia que incluía um círculo quadrado. Uma vaga ideia e um ser contra, já que os (maus) políticos estão sempre bastante predispostos a “serem contra”.

Um referendo desta natureza e com este impacto nunca poderia ter sido lançado sem um enquadramento mais detalhado do que estava mesmo em causa e respetivas implicações. Simplesmente perguntar: é para sair ou para ficar foi de uma enorme irresponsabilidade e não creio que alguém fique a ganhar com isto, nem em riqueza nem em credibilidade. Ninguém e em primeiro lugar, obviamente, o UK.

29 janeiro 2019

Milagres


Sendo crítico e com sérias dúvidas quanto à integridade e coerência da igreja católica, também não me reconheço numa postura de rosnar a tudo o que seja crucifixo, batina de padre ou hábito de freira. Nesse mundo existem ações culturais e sociais relevantes e também práticas pouco edificantes.

Não vejo como negativo, nem me incomoda minimamente que sejam organizadas em Portugal umas Jornadas Mundiais da Juventude. Não me incomoda que mesmo estando nós num Estado laico, exista algum apoio público ao evento. Mas há coisas que me incomodam…

Incomoda-me que a existir um evento deste tipo, ele tenha que decorrer… em Lisboa – onde mais poderia ser!? Incomoda-me que se fale em aproveitar o evento para “realizar o milagre de tirar contentores da margem do Tejo”. Ou seja, aproveita-se a visita do Papa, para uma coisa tão trivial como desativar um terminal logístico intermodal, por simples vontade de embelezamento da zona. É realmente extraordinariamente raro e perturbador existirem contentores próximo da margem de um rio… Como até há uma autoestrada entre os contentores e o dito, nem consigo entender como são estes que bloqueiam o acesso ao rio e impedem a realização de uma ciclovia.

Pode discutir-se se a localização daquela infraestrutura logística é a ideal; agora acabar com ela porque cá vem o Papa por uns dias, é de quem não tem mais que fazer ao tempo e ao dinheiro.


Infografia do milagre extraída do Público

25 janeiro 2019

Não, não pode

Ainda a CGD…

Sabendo que todos sabemos que o que hoje se sabe não era do interesse dos interesses instalados que se soubesse. Sabendo que todos sabemos que os principais responsáveis pela desgraça são os senhores políticos e respetivos compinchas que por cá andaram e que ainda cá estão.

Vem o nosso querido PM afirmar que o governo quer que a CGD seja ressarcida dos danos que tenha sofrido por má gestão.

Muito concreta e objetivamente: Sr PM, o senhor e os seus companheiros de estrada têm por aí uns 4 mil milhões de euros para ressarcir o contribuinte português? É que se tiverem, é justo que indemnizem. Como obviamente não têm nem sequer querem reconhecer a vossa responsabilidade: porque não se calam?

24 janeiro 2019

Banca do Povo?


Sim, todo o negócio tem risco e registarem-se perdas numa atividade é normal. Convém não ser sempre, nem em escala que ponha em causa a sobrevivência. Sim, quando se fala em salvar os bancos e no tratamento especial de que eles beneficiam quando estão em apuros, a razão principal para essa diferenciação não é proteger os donos dos bancos, mas os bens de quem lá confiou os seus ativos.

No entanto, há bancos e bancos, perdas e perdas. O que se tem sabido recentemente sobre as perdas registadas na CGD vai para lá do normal em negócios e em bancos. A razão principal para o descalabro é a interferência e irresponsabilidade política. Desde a nomeação de personalidades como Armando Vara para a administração até ao financiamento descuidado de projetos “parapúblicos” voluntariosos, como o da Artlant/La Seda, tudo isto é política no seu pior. O envolvimento direto e indireto da CGD na luta pelo controlo do BCP é… nem sei que lhe diga.

Há quem afirme ser importante haver um banco público, “nosso”. Atendendo a que já não existem praticamente bancos portugueses em Portugal, inclino-me a dar-lhes alguma razão. No entanto, se é para ficar às ordens de comissários políticos e a criar buracos de milhares de milhões, mais vale não haver. Convém não esquecer que essa fortuna queimada vem de todos nós e tudo o que ardeu nesses devaneios, poderia ter servido para outras aplicações criadoras de riqueza e bem-estar.

22 janeiro 2019

Distribuição da riqueza


Ontem foi divulgado um relatório da Oxfam sobre as gritantes desigualdades neste mundo e apelando ao que pode e deve ser feito para combater a pobreza. Pode ser visto aqui.

Há uma afirmação forte que faz refletir: Se os 1% mais ricos pagassem um imposto adicional de 0,5% sobre a sua riqueza, isso seria suficiente para proporcionar cuidados de saúde que salvariam a vida 3,3 milhões de pessoas e educar 262 milhões de crianças que não vão à escola. 


À primeira vista parece potencialmente fácil. Apenas 0,5% será muito pouco e o retorno enorme. Uma segunda vista evidencia que não é assim tão fácil. Imaginemos que até se consegue implementar essa contribuição. Como, na prática mesma prática, seriam utilizados esses fundos. Especialmente nos países em que isso é mesmo necessário, quem e como iria aplicar honesta e eficazmente esses recursos? Seriam mesmo aplicados na saúde de 3,3 milhões e na educação de 262 milhões de crianças?

A Oxfam defende que é necessário ir buscar mais riqueza aos privados para criar serviços públicos para os pobres. Talvez sim, mas infelizmente essa é uma questão secundária. A questão principal não está na falta de recursos. Nos países em que há mesmo miséria, uma enorme percentagem dos recursos disponíveis para esses serviços públicos é mal utilizada ou desviada para outras opções, merecedoras de maior atenção e prioritárias para quem rouba/governa. Teoricamente, os 0,5% seriam de alguma forma positivos, mas enquanto não houver boa e honesta governança as contas não são de forma nenhuma assim lineares.

14 janeiro 2019

Estranheza?


Em outubro de 2017 o país assistia atónito e angustiado a um enorme descalabro na plantação de naus a haver, raiz simbólica de sonhos e aspirações nacionais. O pinhal, de pinheiro, de Leiria sofria um incêndio de enormes dimensões.

Depois, vimos uma bonita cerimónia oficial de replantação, bastante parcial, está claro, mas de sobreiros, que são uma árvore “melhor”. É que o pinheiro, apesar de não ter o estigma do eucalipto, também não é assim mesmo o que deve ser. Sobreiro é politicamente mais correto e ficamos na dúvida sobre se aquele seria um primeiro passo para vermos a prazo um montado de Leiria ou outra coisa.

Aparentemente foi outra coisa, já que as tais arvorezitas simpáticas, se não morreram todas, pouco falta. Parece que não são adaptadas àquele solo e quem organizou a cerimónia catita, com representação governamental ao mais alto nível, não sabia e não terá dado ouvidos a quem sabe. Politicamente correto e tecnicamente errado, não é grande novidade, pois não? Será de estranhar que este país ande um pouco pior do que todos gostaríamos?

Podem ter um pouquechinho de vergonha e de humildade para acabarem com estas encenações absolutamente caricatas e trabalharem a sério?


Foto Daniel Rocha/Público

13 janeiro 2019

Formando ou desperdiçando?

Discutiu-se por cá o ensino superior.

A secretária de Estado questionou a existência de números clausus. Se 20000 estudantes quiserem de repente ser, sei lá, engenheiro de batatas fritas, deveria ser possível? Sem defender uma planificação rigorosa à la soviética, parece-me importante existir algum equilíbrio entre a oferta do ensino superior e o mercado de trabalho do país, inserido nalgum plano de desenvolvimento de conhecimento no país. Está bem que os formados podem depois emigrar, mas não vejo o ensino superior como uma atividade predominantemente exportadora. Um outro problema mais imediato é a infraestrutura dos estabelecimentos de ensino. Uma escola preparada para receber 100 alunos por ano não pode passar de repente para 5000 e a seguir voltar aos 100. Retomando o exemplo anterior, disponibilizar fritadeiras para 20000 alunos não é coisa simples.

Estas vontades de “massificação” voluntariosa lembram-me aquelas teorias da sacrossanta primazia da produção, onde o que importa é produzir muito… e o que se faz ao produzido logo se verá. O resultado deste modelo foi/é a falência.

Também de discutiu a existência de propinas. Ninguém, capaz, deve ser excluído do ensino superior por dificuldades financeiras, mas atender a esse direito com a abolição das propinas é uma abordagem grosseira e/ou desonesta. Seria preferível um outro mecanismo de subsidiação mais direto e seletivo, já que o custo do ensino superior não é apenas propinas e o que faz sentido é ajudar apenas quem necessita. Recorda-me a moda dos manuais escolares gratuitos. A sua generalização não faz sentido.

09 janeiro 2019

Sobre a liberdade

Sem ter a mínima simpatia ou proximidade com extremistas, sejam de direita, sejam de esquerda, muitíssimo menos quando a essas ideologias se junta a violência, não adiro a esta vaga de indignação pela entrevista a Manuel Machado na TVI.

Começo por ignorar aqueles para quem o problema está basicamente em isto se passar no extremo errado e até admirarem e incensarem os seus heróis, especialmente os que tiveram a coragem de “lutar a sério”.

É aceitável dar um microfone e tempo de antena a um xenófobo agressivo ou a um revolucionário violento? Se o problema é um eventual passado criminoso, não faltam por aí entrevistas a criminosos condenados ou não, com pena cumprida ou. Se o que for dito constituir uma ilegalidade, será caso de polícia, mas deveríamos dispensar censuras prévias ad hominem.

É muito mais perigoso um tempo de antena, onde cada um diz o que lhe apetece sem contraditório imediato. Uma entrevista bem conduzida pode ter um efeito didático, pondo a nu as fragilidades, incoerências e inviabilidade desses propósitos. Acredito ser eficaz e mesmo necessário para combater os tais ditos populismos.

Não defendo a opção de colocar uma mão à frente dos olhos das gentes, como se faz com as criancinhas, para não verem uma cena violenta ou escaldante na televisão – “Ó meu filhinho, tu não podes ver isto… devia ser proibido!!”. Os que se veem como grandes educadores das massas, deviam recordar que o povo não é criança e que a história demonstrou que com essas práticas, no final, quem sofre é sempre a liberdade… e o resto.