27 outubro 2017

Essas palavras que aparecem


Tenho um hábito ou um problema. Numa sessão pública onde haja período de perguntas do público e em que participe, é quase obrigatório arranjar uma ou duas coisas para questionar. Se não o fizer é por alguma doença momentânea ou profundíssimo desinteresse ou, chamemos-lhe até, feio desdém.

Uma vez, assistia a uma conferência de um escritor, mediamente famoso, mas do qual eu desconhecia completamente a obra e comentei para quem estava comigo: “- Tenho que arranjar uma pergunta, não sei como.”. A resposta se não foi “– Não sejas maluco!”, pouco menos.

Resolvi perguntar-lhe se, quando escrevia, a definição e a dinâmica dos personagens era uma coisa bem planeada e controlada por ele, ou se havia momentos em que estes ganhavam autonomia e se emancipavam, surpreendo-o. Infelizmente havia na sala alguém com outra mania, a de acrescentar reflexões e comentários a qualquer momento, e o senhor despistou-se, ficando eu sem resposta.

Na minha modestíssima escala, estou convencido de que as histórias não nascem completas. Estou convencido que a folha em branco não é escrava de um plano pré-definido. Há coisas redemoinhando cá dentro que são atiradas para lá, com direção mais um menos definida, e depois mexem-se por elas. Nem sempre como se pensava. Por vezes surpreendem, abrindo novas vistas, outras vezes despistam-se e é-se obrigado a puxa-las para o sitio. No fim, inevitavelmente, fazer a monda, já que as palavras que brotam são sempre mais do que a boa conta.

Há um momento especial em que, a postos para o que vier, está uma página em branco à frente. Pode começar a correr e a brotar, divertindo-nos até, assim tipo “onde é que isto vai parar”; pode nada sair e não ajuda arrancar cabelos; pode sair lixo e aí fica angustiante; podemos descobrir coisas sobre nós que não imaginávamos…

Enfim, é a vida das coisas, que também são palavras.

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