05 novembro 2015

“O que a noite nos fez em muitos anos“

A passadeira mediática é bastante estreita. Não comporta um único tema de cada vez, mas pouco menos. Esse tema pode ser um cataclismo algures, um escândalo qualquer ou simplesmente um ministro visto com as meias rotas. O certo é que, num dado momento, há um tema quente em destaque, sobre o qual muito se fala e comenta, até ser substituído pelo seguinte. Há quem fale na espuma dos dias, mas, reconheçamos, muitas vezes é mais uma lama revolta que nos turva a visão e distrai, impedindo-nos de apreciar outros valores mais perenes.


E, por vezes, há uma morte, em geral não planeada, que brevemente faz subir à ribalta uma pessoa e uma obra meritosa, até aí obscurecida por essa lama dos dias. Recentemente, foi o caso de Fonseca e Costa, que me fez recordar o filme “Sem sombra de pecado” e o argumento do mesmo de David Mourão Ferreira.

Há muitos anos, ao cheirar livros numa livraria, abri uma antologia poética dele e fui atingido por uma frase: "Olhar de frente o Sol. Assim se aprendem as letras iniciais da Solidão”. Não o larguei mais e trouxe-o para casa, para me deliciar com aquela escrita tão bonita. “Desejei-te pinheiro à beira-mar, para fixar o teu perfil exacto”.

Talvez muitos o tenham apreciado, sem saber, cantado, mas respirar lentamente a sua obra escrita em papel é um exercício de elevação, como “ ... por vezes fingimos que lembramos, e por vezes lembramos que por vezes, ao tomarmos o gosto aos oceanos, só o sarro das noites, não dos meses , lá no fundo dos copos encontramos”.

Sem comentários: