11 novembro 2024

Não ser Trump não chega


A vitória de Trump não é uma boa noticia e dispenso-me de elencar todas as razões já sobejamente enunciadas. Certamente também não será o fim do mundo, uma vez que ele já lá passou 4 anos e ainda cá estamos com as instituições cá e lá relativamente estáveis. Talvez um dos aspetos não negligenciáveis, a prazo, é a degradação de valores cívicos e éticos que uma liderança destas transmite à sociedade. Já houve no passado outros presidentes de princípios “marginais”, mas com a diferença que o escondiam ou conseguiram manter escondido. A menos de Nixon e o seu Watergate.

A surpresa quanto à derrota de Kamala, virá de quem achava que bastava não ser Trump para reunir um largo e maioritário consenso de “gente boa e luminosa”, garantidamente vencedora. E não foi assim. Kamala foi uma vice-presidente muito pouco luminosa e largos sorrisos “dentífricos” não chegam certamente para ser reconhecida como líder.

Enquanto não se encontrar uma terceira via entre o populismo arrogante e boçal e o wokismo arrogado e sofisticado, enquanto as escolhas se mantiveram entre estes dois polos, receio bem que o povo preferirá a arrogância boçal à arrogância elitista.

A “culpa” não é do Trump…

27 outubro 2024

Quando o rei vai nu


O espetáculo que estamos a assistir nos EUA com uma figura chamada Donald Trump, parece saído de um filme de ficção e dos pouco verosímeis. Leio que os Republicanos até já estão a entrar com ações em tribunal para preparar a contestação a uma eventual derrota. Esperemos que as instituições americanas sejam suficientemente robustas para aguentar estas e outras investidas. Uma coisa é ter esse senhor como Presidente, outra coisa é a democracia e o Estado de Direito se degradarem num país com a importância deste…

É chocante como esta figura pode um dia figurar numa galeria ao lado de gente como, por exemplo, Abraham Lincoln ou Franklin Roosevelt. A questão é que não se assiste a uma transição direta de líderes cultos, esclarecidos e verdadeiramente mandatados pelo povo para o interesse do povo, para estes tristes populistas fanfarrões e desrespeitadores das instituições. E também o problema não é específico e isolado dos EUA. Em maior ou menor escala, atacas várias democracias, já que quanto a isso as ditaduras têm problemas de outra natureza.

Se olharmos para as realidades mais próximas, que melhor conhecemos, é forçoso reconhecer a diminuição das qualidades e da seriedade dos líderes democráticos, cada vez mais preocupados com o poder pelo poder e só aparentemente comprometidos com o bem-estar e o desenvolvimento dos seus cidadãos. Digamos que estes “reis” andam a perder peças de credibilidade de forma contínua e irreversível…

E quando se descobre que o rei vai nu… entra o bobo!

Não é questão de ideologia, embora ela possa vir atrás, é questão de dinastia. É apenas descrédito das “famílias reais”…

19 outubro 2024

Para lá das gémeas


O caso das gémeas luso-brasileiras tem uma dimensão enorme e escandalosa, pelo valor do tratamento, pela forma expedita como a ele tiveram acesso, pelo estatuto dos facilitadores e pelo interesse da seguradora que se salvou de pagar um tratamento caríssimo.

Sobre isto, já se sabe o suficiente para serem tiradas as necessárias ilações éticas, políticas e eventualmente criminais. Não é minha intenção agora aqui fazer chover no molhado.

Mas, sem esta proporção, quem nunca apelou a uma ajudinha para ter acesso a um serviço ou ser mais bem tratado no SNS? Quem angustiado face a uma necessidade urgente não hesitou em fazer um telefonema e procurou uma atenção especial para si ou para os seus…? Talvez sobrem poucos para atirar a primeira pedra. Talvez porque, com ou sem razão, ficar na fila comum seja entendido como não suficiente para um tratamento atempado e cuidado.

Mais uma vez, insisto que o caso das gémeas está numa órbitra muita diferente de alguém que telefona à enfermeira de serviço a pedir uma especial atenção com quem está internado na cama X.

Convém realçar que quando se fala em igualdade no acesso e direito à saúde é também disto que se está a falar. O sistema deveria ter eficiência e reatividade para os cidadãos se sentirem confortáveis na fila comum, sem tentações para a furar. Isso seria num país a sério…

16 outubro 2024

Mudar de dono


Com 15 anos de diferença, 2 países tentam sair de uma guerra que, de uma forma ou de outra nunca conseguirão ganhar. Protagonistas, 2 generais.

Sendo o quadro institucional, reconhecimento e poder de De Gaulle na França de 1960 de nenhuma forma comparável com o de Spínola em Portugal em 1974, há alguns pontos em comum, sobretudo na forma como o processo encerrou.

Os movimentos de “libertação” exigiram e conseguiram o estatuto de interlocutores únicos, em seguida adotaram o princípio do “ganhamos, é nosso” e nos casos de haver mais do que uma força em jogo, entraram a seguir em guerra civil mais ou menos longa… Democracia, nem vê-la; pluralidade racial ou religiosa, excluídas.

Talvez que se França e Portugal tivessem tido o discernimento de entenderem os ventos da história a tempo e dirigido o processo noutra direção mais cedo, o desfecho poderia ter sido diferente, não sabemos.

O que sabemos é que, como me disseram noutra latitude e noutra língua, a independência foi “Cambiamos de manos”.

Os povos, em nome dos quais foram levantados os movimentos de “autodeterminação” não foram tidos nem achados e não tiveram a mínima palavra no pós-independência. Mudaram de dono, sendo os novos donos de outra raça ou de outra religião. No final não ficaram necessariamente a viver melhor…

12 outubro 2024

Oportunidade perdida


As crises, com todos os seus transtornos, privações e perdas, podem constituir oportunidades de aprendizagem, mesmo dramáticas e eventualmente tanto mais proveitosas quanto mais dramáticas.

Em 2011, a crise nacional, a intervenção da “troika” e todo o sofrimento que provocou poderia ter sido um desses momentos de aprendizagem dolorosa, mas não foi.

Poderia ter sido clarificado que a origem da crise fora uma governação corrupta e irresponsável e que a saída da mesma tinha sido o resultado do trabalho, empenho e sacrifício de todo o país, Podia, mas não foi… por causa das narrativas criadas.

Argumentar que o nosso colapso foi consequência da crise de 2008 é desde logo a primeira “narrativa” falsa. A crise foi mundial e não vimos todos os países de joelhos a mendigar junto do FMI. Entrar numa estrada de montanha a 140 km/h e despistar-se na primeira curva não é razão para culpar a curva…

A seguir, a perca final da oportunidade vem de outra narrativa. O sofrimento da crise foi devido à maldade da direita (e do Passos) e o alívio do aperto foi mérito da esquerda virtuosa que virou a página da austeridade. Se saímos do buraco em que o “Eng” Sócrates nos enterrou, não foi pelo esforço e sacrifício coletivo do país, mas pela generosidade e bondade do novo inclino de S. Bento.

Nos tempos que correm, parece que o PSD aprendeu a lição. Manter o poder depende de ter mãos largas e “quem mais chora, mais mama”… Trabalhar para criar riqueza que se possa distribuir não é o fundamental. Iremos pagá-lo de novo um dia, porque quem não aprende com os erros, acaba por os repetir.

11 outubro 2024

Pobres libaneses


Pobres libaneses que nascendo no que outrora era considerado a Suíça do Médio Oriente, multicultural e livre, vivem hoje num país destruído, desestruturado e de frágil autoridade.

Pobres libaneses que se viram invadidos em 1970 pelos palestinianos da OLP, expulsos da Jordânia num “setembro negro”, após programarem assinar o rei anfitrião e aí tomar o poder. Seguiu-se uma desestabilização e uma guerra civil, cujas cicatrizes ainda não desapareceram.

Pobres libaneses que a seguiram viram instalar-se no seu país uma organização militar patrocinada e dirigida pelo Irão e que, sem ser controlada nem prestar contas às autoridades libaneses, mais não busca do que violência e destruição.

Podemos entender que os Palestinianos na Cisjordânia tenham capital de queixa pela presença e controlo israelita; mais difícil é entender que a faixa de Gaza, deixada tranquila por Israel desde 2005 queira reacender a sua guerra, mas o Hezbollah? Que argumentos tem para estar há um ano a tentar massacrar o norte de Israel? Ainda por cima, sendo xiitas que ainda não há muito tempo lutavam ferozmente na Síria contra a família sunita onde se enquadra e se alimenta o Hamas?

Que, depois de um ano de ameaças e assédio, consideradas “normais” por uma certa comunidade internacional, agora Israel se defenda proactivamente, é de súbito um “ai Jesus”, que estão a escalar a guerra…?

Podemos e devemos questionar a estratégia de Israel em Gaza, mas que contra-ataque quem o ataca a partir do Líbano sem outra razão nem objetivo que não seja a sua destruição, deveria ser mais difícil de criticar.

Pobres libaneses que não os deixam viver em paz no seu outrora belo país, entre os seus cedros.

06 outubro 2024

(Des)cruzadas


É sempre interessante ver os dois lados, embora, com todo o respeito pelo Amin Maalouf e pelos seus excelentes escritos, do outro lado dos cruzados não estavam árabes, mas sim uma multitude de povos do Médio Oriente e não só. Saladino, o grande herói dos “árabes” que reconquistou Jerusalém aos “francos”, era de origem … curda. Quem diria. Uma etnia hoje não muito acarinhada por quem lhe constrói estátuas e venera como grande herói do Islão.

Árabe era, sem dúvida, o 2º califa, Omar, que conquistara a cidade aos bizantinos em 637, 15 anos apenas após a Hégira e a fundação oficial do Islão.

Hoje em dia associa-se cruzadas a abusos, barbaridades e violentas campanhas de evangelização, mas não é isso que me ficou. A não consolidação da presença latina na zona é capaz de ser precisamente resultado de o seu programa ser muito militar e pouco evangelizador/cultural. As cruzadas procuraram principalmente controlar e aceder à terra santa, nomeadamente Jerusalém. Acessoriamente marcar o poder de alguns papas e dar espaço de conquista a alguns senhores feudais aventureiros, posteriormente mesmo a reis, num caldo de misticismo medieval.

Não deixa de ser algo curioso que na mesma época a reconquista da península ibérica, “arabizada” a partir de 711, tenha sido consolidada a meados do século XIII, enquanto no outro extremo do mediterrâneo tudo acabou no final desse século com a conquista final de Acre pelos mamelucos (já agora, de árabes tinham pouco). Porque é que dois processos com tanto em comum no contexto e no calendário tiveram desfechos tão diferentes?

Falar atualmente em novas cruzadas, a propósito das intermináveis crises no Médio Oriente, é uma expressão sonante, mas oca de significado. Ninguém pega hoje na cruz (ou na metralhadora) para remissão de pecados e garantir acesso ao Paraíso…

Refletir sobre paralelismos e divergências entre processos históricos com o impacto que estes tiveram é um desafio aliciante. Por isso, hoje ficamos sem conclusões.

05 outubro 2024

IRC e IRS jovem

Parece que finalmente, vamos ter um consenso e ver um ponto final na dramática novela da aprovação do orçamento de Estado. Parece…

Independentemente do desenlace final, que desconheço no momento em que escrevo, acho impressionante que as grandes clivagens, opções estratégicas fundamentais e convicções profundas quanto ao programa orçamental do país se resumam a ponto a mais ou a menos em IRC e idade a mais ou a menos no IRS.

Foi/é um triste espetáculo de quem resolveu fazer disto espetáculo, e ponto capital que poderia até levar o país a novas eleições. Obviamente que não está/estava em causa o conteúdo objetivo, mal estaríamos se as grandes opções programáticas fossem estas.

Foi birra de quem queria ter tema de discórdia e pegou nestes, mas, sinceramente, poderiam ter arranjado assunto mais substancial. No resto estão completamente de acordo em tudo? Quanto às grandes opções nos campos económico, social, educação, saúde, justiça não há divergências nem propostas alternativas? Sinceramente…!

 

26 setembro 2024

Uma F1 que já não existe


A foto acima serve para evocar uma F1 que já não existe.

Por um lado, o piloto, Ronnie Peterson, o meu primeiro ídolo. Não teria a consistência nem a racionalidade de muitos campeões, mas tinha entusiasmo, entrega e a simpatia do público. Na época a que se refere a foto até nem foi muito bem-sucedido, mas o malogrado o sueco voador foi e é uma figura acarinhada, à imagem de alguém que depois lhe sucedeu na exuberância, Gilles Villeneuve. Depois deste não consegui acarinhar mais nenhum.

Por outro lado, o carro. 6 rodas?! Hoje, em que se discute a legalidade dos biquinhos das asas, isto seria completamente “ilegal” e banido à luz dos regulamentos que pesam na categoria. Aliás, Peterson passaria a seguir para a Lotus com o fantástico e inovador Lotus 79 e o seu efeito de solo. Se o espírito regulamentar tivesse sido desde sempre o atual, pobre Colin Chapman. Não teria podia ter inovado com o monocoque do Lotus 25, nem o motor estrutural do Lotus 49 e tantas coisas diferentes nunca teriam acontecido…

Se quiserem, façam uma “fórmula modelo único", mas deixem algum sítio onde possa haver criatividade, imaginação e evoluções disruptivas.

Já só falta vermos um dia os pilotos em poltronas de sala a pilotar os carros como drones…

20 setembro 2024

Os cinzentos pagers haram


Como introdução, a expressão “haram” usa-se para caraterizar o que é inaceitável e contrário à lei islâmica, em oposição ao “halal”, o que é aceite e permitido.

Este título e introdução denunciam que o tema é o dos milhares de pagers Hezbollah, acrescentados depois os walkie talkies, que explodiram esta semana nas mãos dos membros, simpatizantes e próximos desse movimento terrorista, “satélite” do regime iraniano.

Aparentemente os pagers eram de conceção (antiga) de uma empresa taiwanesa, licenciados a uma empresa húngara que não tinham instalações industriais. Os rádios também antigos e descontinuados tinham origem original no Japão.

Pelo que vi, não se sabe ao certo onde os equipamentos efetivamente foram efetivamente produzidos, provavelmente numa “grey zone”, mais ou menos oficial, mais ou menos pirateados, mas, pelos vistos, a Mossad saberia.

Para lá das discussões sobre os méritos e oportunidade ou (des)propósito da operação, a mesma põe a nu uma grande fragilidade destes “ativistas”, que é um enorme défice de conhecimento e de tecnologia. De facto, eles apregoam o seu ódio e rejeição a tudo o que Ocidente cria, classificando-o como “haram”, mas, aparentemente, não existem fabricantes nem tecnologias, mesmo com um atraso de algumas décadas, “halal”.

Para lá dos estragos e impactos físicos e morais que a espetacular operação provocou, fica a frustração de não haver pagers “halal”, concebidos e criados conforme os princípios anacrónicos e desunhamos dos salafistas, que querem colocar o mundo a viver como há 14 séculos atrás. Efetivamente, nessa altura não havia pagers, nem outras coisas que, no entanto, eles não prescindem de utilizar nessa missão do “ò tempo volta para trás”. Tem lógica? Depende…

31 agosto 2024

Pobres palestinianos


Pobres palestinianos de Gaza onde tantos estão a sofrer o que nenhum ser humano deveria sofrer. Mas, como dizia até o insuspeito Guterres, isto não nasceu do nada, nem começou no dia 8/10/2023. Vejamos.

Pobres palestinianos que na sequência da constituição do Estado de Israel foram empurrados para uma guerra pelos seus vizinhos árabes. Pobres palestinianos que após perderem essa guerra, viram a sua parte da Palestina ocupada pela Jordânia e pelo Egito, em vez de os terem deixado constituir livremente o seu Estado, logo naquela altura.

Pobres palestinianos deslocados que, em vez de se integrarem no novo espaço, foram colocados ad-eternum em estatuto de refugiado, a caminhar já para um século. Os gregos ortodoxos ameaçados que fugiram da Ásia Menor após a formação do novo país Turquia, ainda estão em campos de refugiados do outro lado do mar Egeu?

Pobres palestinianos de Gaza que deixados tranquilos pelos Israelitas por quase 2 décadas, viveram numa prisão, num regime ditatorial severo, sem liberdade de expressão, nem de contestação, donde não se podia sair livremente, nem para o Egito, mas onde podiam entrar camiões plenos de armamento. Pobres palestinianos que viram a larga ajuda externa servir para preparar a guerra em vez de tentar construir a paz e promover o seu bem-estar.

Pobres palestinianos que depois das iniciativas e acordos de paz com os países árabes e a próprio OLP sofrem agora um Hamas, que não tem um mínimo de vontade de encontrar um apaziguamento. E, vai uma aposta, se o Hamas acordar em calar as armas, aparecerá a seguir outra coisa qualquer para retomar a guerra?

Pobres palestinianos que viram o Hamas organizar e desencadear o brutal 7/10, que não teve mais propósito ou efeito do que provocar uma reação brutal do vizinho ameaçado.

Para que fica claro, para quem leu até aqui, Israel tem fama de responder desproporcionalmente e não está a deixar os seus créditos por mãos alheias. Infelizmente a qualidade humana dos seus líderes não está ao nível da dos de há umas décadas (não é só por lá), mas colocar o ónus do sofrimento palestiniano apenas ou principalmente em Israel não ajuda a causa do povo palestiniano.

E, já agora, uma palavra para tantos povos no mundo que estão a sofrer tanto ou mais do que os palestinianos, sem que isso pareça ser relevante para as opiniões publicas publicáveis.

28 agosto 2024

Cronometrando as diferenças

Por estes dias irão começar os jogos paraolímpicos em Paris.

Começando por reconhecer e valorizar o empenho e o esforço daqueles que, apesar de uma desvantagem nascida ou posteriormente recebida, não baixam os braços e procuram ir mais longe e superar-se; continuando por louvar a justiça que esse(a)s bravo(a)s tenham um evento e um local onde possam mostrar ao mundo o resultado do seu ânimo e trabalho, fica-me a questão do cronómetro.

Será que a avaliação e a premiação se podem restringir ao cronómetro (ou pontos marcados), será que o ponto de partida de cada um é suficientemente equitativo, especialmente neste meio com tantas diferenças?

Se pensarmos, por exemplo, nos paraplégicos, parecer ser consensual reconhecer que a desvantagem é bastante uniforme e bem definida. Outros casos, nem tanto, mesmo sem entrar em situações claramente desonestas e aldrabadas. Em Sidney 2000, a seleção espanhola de basquetebol com deficiência mental ganhou a medalha de ouro, cilindrando os adversários porque, dos 12 jogadores, apenas 2 eram realmente deficientes; os outros 10 eram perfeitamente normais, até jogavam em competições “normais” e foi a própria federação quem criou a trafulhice para ter sucesso garantido - que verguenza ò hermanos !!

Diferentes pontos de partida, em que a sorte e a genética resultem em vantagens menos devidas ao mérito, existem, mesmo nas competições “normais”. Imane Khelif, a polémica boxeur argelina, pode ser perfeitamente uma mulher biológica, mas há ali hormonas ou outra coisa, nascidas ou acrescentadas, que lhe dão uma vantagem brutal, face às outras competidoras…

Sem dúvida que o sucesso tem uma parte de inspiração ou genética e uma enorme componente de transpiração. Sem suor, não se vai muito longe, mas, neste caso concreto dos paraolímpicos em particular, o juiz apenas cronómetro parece-me ser potencialmente cruel.

 

27 agosto 2024

Foi ontem


Já disse aí para trás e agora repito que o Glosa Crua não vai muita nessas coisas das efemérides. Mas há sempre exceções e, como a data até foi ontem, fica justificado.

Ontem, a 26 de agosto, fez 36 anos que faleceu Carlos Paião, com apenas 30 anos de vida. Certo que este escritor de canções nunca teve o reconhecimento de outros “monstros sagrados”, mas, passado mais tempo da sua morte do que o tempo da sua vida, não restam dúvidas de que há algo a reconhecer.

Certo que as suas canções não tiveram pretensões de intervenção social ou complexidade formal de outros autores, mas … tão pouco se podem aproximar da básica e grosseira banalidade das canções de outras “variedades”.

Há uma simplicidade e elegância nas suas criações que não aparecem por acaso. No caso particular das letras, que sei avaliar melhor, há apuro e o trabalho de algo que não foi feito em cima do joelho.

Por isso há festa não há gente como esta
Quando a vida nos empresta uns foguetes de ilusão
Vem a fanfarra e os miúdos, a algazarra
Vai-se o povo que se agarra pra passar a procissão
E são atletas, corredores de bicicletas
E palavras indiscretas na boca de algum rapaz
E as barracas mais os cortes nas casacas
Os conjuntos, as ressacas e outro brinde que se faz

Obrigado Carlos pela festa que quiseste fazer e por teres decidido deixado de ser médico para dares alegrias ao mundo.

E vai à nossa
À nossa beira mar
À beira Porto
À vinho Porto mar
Há-de haver Porto
Para o desconforto
Para o que anda torto
Neste navegar

26 agosto 2024

Em V ou em O


Há organizações estruturadas em "V". Com liderança e hierarquia claras, estruturas alinhadas, perseguindo objetivos bem definidos, unidas com relações de confiança transparentes e sãs. Cultivam exigências a 360º, de cima para baixo, de baixo para cima e também para os lados. Movem-se como um todo, com a agilidade e a eficácia de uma águia.

Há outras organizações em "O", onde o fundamental é o círculo estar fechado e as “retaguardas” protegidas, sendo fundamentais as fidelidades tribais acríticas. A dinâmica é secundária, o fundamental é garantir que não haja brechas por onde algo imprevisto possa entrar e ameaçar as ditas retaguardas.  O importante é conseguirem resistir ao cerco que a meritocracia lhes pode colocar. Movem-se de forma pouco definida, a lembrar um caranguejo desconfiado.

Como é lógico, as águias chamarão um figo aos caranguejos. Sempre? Não necessariamente. Quando a cultura dominante e a preferência pelo abrigo em zonas de conforto levam à proliferação das estruturas caranguejo e à rarefação das águias. Aliás, frequentemente, as carências de liderança fazem aparecer vários caranguejos na mesma organização. Será certamente um meio rasteiro onde a vista pouco alcança e que não viaja muito longe, mas… há quem se sinta melhor assim.

21 agosto 2024

Brincamos


A imagem acima é um pouco “mazinha”, mas justifica-se pela falta de seriedade com que se tem tratado a questão do risco de incêndio nos automóveis elétricos.

São referidas estatísticas evidenciando que os automóveis tradicionais de combustão têm um risco até 60 vezes superior ao dos elétricos, mas a questão é que essa estatística é baseada apenas em número de incidentes e todos sabemos que quanto a quantificar riscos e acidentes, há um índice de frequência, número de ocorrências, e um índice de gravidade, considerando os seus efeitos.

Um dia em que há dois despistes que acabam com os carros num campo de batatas não é pior do que um dia em que um único despiste terminou numa paragem de autocarro em hora de ponta.

O contexto e os efeitos dos incêndios nos automóveis de combustão são muito diferentes do dos elétricos. Se compensa a “desvantagem” numérica das 60 vezes é outra coisa, mas ignorá-lo não é sério.

Tipicamente um automóvel convencional incendeia em funcionamento, com alguém ao volante ou perto, que facilmente encosta e, se tiver a previdência de ter um extintor à mão talvez consiga apagar o incendio, e, no pior dos casos, sem arder mais do que o veículo em causa e algumas ervas à volta.

Um elétrico detona frequentemente estacionado e abandonado, a carregar ou não, e não é bem um simples incêndio, é uma brutal explosão alimentada a partir da parte inferior do veículo. Não se apaga, confina-se, e ocorrendo frequentemente em zona densamente ocupada, dificilmente esse confinamento fica pelo veículo inicial.

Daí que o balanço final de cada ocorrência seja potencialmente muitíssimo mais pesado no caso dos elétricos.  Vai uma aposta em que, apesar de todas as mensagens tranquilizadores e estatísticas favoráveis, iremos acabar a ver estações de carga com distâncias mínimas entre veículos regulamentadas ou até muros individuais corta-fogo…?