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22 maio 2025

Camilo Castelo Branco




Celebrou-se recentemente o segundo centenário do nascimento do escritor, falou-se muito sobre isso e, por acaso, vi na mesma altura a série “Ferreirinha”, onde a sua história corre em paralelo, apesar de um pouco romanceada e mesmo branqueada. Por exemplo, a cegueira não foi devida ao período do cárcere e respetiva falta de luz…

No que por estes tempos li e ouvi sobre o autor, entendi que ele é considerado uma das figuras maiores da nossa literatura, certo, para muitos taco-a-taco com o grande Eça de Queiroz, para alguns mesmo acima.

Ora bem, de Eça li tudo, ou quase, do Camilo apenas encontrei perdida na minha biblioteca uma pequenina edição do “Amor de Perdição”, resultado de uma compra “obrigatória”, numa visita à Lello. Decidi partir à exploração do autor, considerando ser uma vergonha o desinteresse que lhe tinha dedicado.

Ao romance de referência já existente juntei “Maria da Fonte”, uma crónica sarcástica e mordaz sobre os acontecimentos de 1846 e sequente guerra da Patuleia, a partir das memórias do famoso Padre Casimiro, e de todas as incoerências e caricatos daquele período. Acrescentei as “Memórias do Carcere”, um bom retrato da sociedade da época e respetivos crimes e castigos e a “Queda de um Anjo”, a irónica típica novela do puro rural que chega à capital para ser amolecido e corrompido pela mesma.

Camilo indubitavelmente sabe escrever, disso não há dúvida, há ali elegância, não há arestas nem coisas que arranham os ouvidos. Agora, duas coisas menos bem para mim.

Para a caraterização de um personagem ou de uma ação existem adjetivos que bastem na língua portuguesa. Outra forma é por comparação com outrem, em analogia. Ele fez-se “sicrano”, ela agiu tal “beltrana”…. Camilo usa e abusa desta segunda via, com um enorme universo de sicranos e beltranos, clássicos, históricos e mesmo contemporâneos, alguns famosos apenas naquela época. Perde-se um pouco a leitura para quem não conhecer a galeria completa.

A outra questão é que Camilo salta muito para dentro da narrativa, não como um narrador personagem, mas como ele mesmo, frequentemente ironizando o desempenho dos seus personagens e até interpelando os leitores. É um pouco como se víssemos uma peça de teatro em que o encenador para a cena e sobe ao palco, para comentar o quadro, em nome próprio. Como se houvesse uma fronteira pouco clara entre o cronista, que opina, e o romancista que é suposto mergulhar-nos numa história e deixar-nos vivê-la, sem apartes nem interrupções.

Em resumo, a partir desta amostra, continuo claramente a votar em Eça de Queiroz. Numa particularidade Camilo passará à frente, que é na ligação ao país fora da capital. Apesar do seu cosmopolitismo e do castiço da “Cidade e as Serras”, Eça escreve “sentado” em Lisboa. Apesar da sua tentação de comentar e de se apresentar ele mesmo superiormente nas suas histórias, Camilo parece-me indubitavelmente mais próximo do mundo rural, das suas rudezas, grandezas e asperezas. Aqui deu-me vontade de saltar para o Miguel Torga, mas, por hoje fechamos assim.

Nota: Foto refeita já que a anterior foi considerada não angelical pelo FB e a publicação censurada :) 

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