31 março 2017

Redundância e despropósito


Foi numa tarde de domingo, quando depois das voltas habituais e eventualmente das extraordinárias, nos sentamos por uns minutos em frente à televisão, em meia resignação. Passa um filme de tarde de domingo em que há uma ela, bonitinha e querida como deve ser, face a um ele, bom rapaz e algo ingénuo como deve ser. E um deles diz ao outro, de forma muito urgente e assertiva: “Eu amo-te!”. Assim como: “caso não tenhas reparado ou estejas com dúvidas”.

A interpretação não era grande coisa e esse defeito associado ao contexto fez-me pensar, refletir e concluir: isso não é coisa que se diga, assim a avisar, como quem recorda a hora do dentista. É demasiado ridículo. Está certo que Fernando Pessoa bem dizia que as cartas de amor são ridículas e que ainda mais ridículos seriam os que nunca as escreveram. Mas isso são as cartas, em que está um papel real ou virtual pelo meio.

Olhos nos olhos é algo redundante, e eventualmente deselegante, dizê-lo. Transmite-se e sente-se de forma tão mais eficaz quanto menos forem as palavras ditas.

O resto são filmes.

23 março 2017

Uma imagem reconfortante


Numa restaurante na estrada, passam sem som as imagens do ataque terrorista de Londres de ontem e há algo reconfortante na calma e na dignidade como os britânicos lidam com a tragédia. No ministro que socorreu o policia ferido e ficou firme junto dele até chegarem os socorros. Na forma grave e tranquila como o parlamento referiu o acontecimento e homenageou as vítimas.

Do meu lado, reconheço já ter passado a fase da revolta simples, daquela que diz: isto é impossível e tem que acabar. Infelizmente, isto é possível e não irá acabar. E, pelas alminhas, não me venham dizer que “nós” temos uma parte da culpa pelo comportamento assassino destes alucinados.

A frustração que alimenta os discursos extremistas, catalisadores desta barbárie, tem muito a ver com a desilusão de os pós-independências não terem cumprido as expetativas. No entanto, como após 500 anos Portugal ainda é responsável pelo que de mau acontece no Brasil, a Europa ainda terá mais 450 anos de responsabilidade pelas desgraças do Médio Oriente.

Eles vão continuar a matar, iremos ter que viver com isto, mas só peço uma coisa: chamem os bois pelos nomes: assassinos. E todos aqueles que relativizem esta palavra por ações ou omissões, seja numa monarquia, real ou virtual, do Médio Oriente, seja num líder religioso de qualquer credo, seja alguém assim para o moderno, que culpa as colonizações terminadas há 50 anos, que a maioria destes alucinados nem sequer conheceram, todos esses que relativizam a palavra são apoiantes morais destes crimes.

22 março 2017

P*as e vinho verde


Princípio: O sr Dijsselbloem foi infeliz e até mesmo parvinho no que disse? Sim, Foi!

Mas também ignorante. Se ele conhecesse o Sul da Europa e Portugal em particular não teria dito “Copos e mulheres”, mas sim “P*as e vinho verde”, que é a expressão correta e consagrada para o efeito na cultura local. Também foi x-ofebo, y-ogeno e redutor. No mínimo, deveria ter dito: “Copos, charros, mulheres e homens”, para ser minimamente inclusivo e respeitar as causas corretas.

Meio: O sr Dijsselbloem foi infeliz e até mesmo parvinho no que disse? Sim, Foi!

Mas também ignorante. Precisamos de ajuda externa, por causa de alguns vícios, mas não esses. Foram as rotundas cibernéticas e demais gastos autárquicos sem sentido; foram as autoestradas redundantes e demais obras públicas desnecessárias e, principalmente, os milhares de milhões que se evaporaram do BPN, BES e CGD, só para referir os maiores. Esse das “P*as e vinho verde” é um vício muito básico e nunca chegaríamos onde chegamos apenas com isso, mesmo acrescentado os charros e alargando o género. Os nossos governantes são mais sofisticados e eficazes a gastar em vícios do que o senhor pensa.

Fim: O sr Dijsselbloem foi infeliz e até mesmo parvinho no que disse? Sim, Foi!

21 março 2017

Ainda a Holanda e as pontes queimadas

Disse aqui atrás que os resultados das eleições na Holanda, apesar da não vitória dos populistas, não terão sido algo assim tão digno de festejos. Não há recuo do populismo, mas sim avanço, apenas não tão rápido quanto se receava.

No entanto, nestes tempos ocorreu algo mais claramente negativo e veremos se reversível, que é a relação da Turquia com a Europa e a “integração” dos seus imigrantes. A Holanda proibiu os ministros turcos de fazerem campanha no seu território e, independentemente das suas razões ou da falta delas, o que se seguiu tem um certo perfume de pontes queimadas. Erdogan chamou-lhes nazis em vez de se ter queixado de uma forma mais equilibrada e racional (já sem lembrar a sua ordem de prisão par milhares de pessoas no dia seguinte ao golpe falhado). Houve quem lembrasse que na Holanda, o número de imigrantes turcos é superior ao dos efetivos militares. Recomendam-lhes ainda que façam 5 filhos (bastante relevante dado o caráter democrático da Europa; se fosse nazi seria inconsequente).

Alguns imigrantes turcos certamente se terão desolidarizado, mas … os outros que saíram à rua com facas nas laranjas, como querem ser vistos a partir de agora pelos originais do seu país de acolhimento…?

20 março 2017

O populismo perdeu?


Respiraram as elites de alivio, porque o povo na Holanda, não deu a vitória aos populistas. Ouvindo-os, dir-se-ia termos assistido a uma inversão da tendência e, daqui em diante, serão apenas amanhãs cantantes.


Ora bem, o partido do primeiro ministro desceu de 41 para 33 lugares no Parlamento. O partido populista, a besta negra, subiu de 15 para 20. Está certo que não ficou em primeiro lugar, mas, mais importante do que este alívio temporário, é saber se esta tendência se mantém ou se será apenas uma questão de tempo até a besta negra efetivamente vencer.

Enquanto as elites não forem exemplos de liderança e de seriedade e continuarem a serem vistos e a comportarem-se como básicos oportunistas, não estou a ver inversão, pelo contrário. Esta autossatisfação pelo sucesso holandês, que se quer decretar estrutural e consolidado, apenas os ridiculariza e desacredita mais. De vitória em vitória, até…

16 março 2017

Que me desculpem

Que me desculpem Miguel Torga, Fernando Namora e tantos outros, que mesmo não sendo escritores nem tendo deixado um registo literário eloquente da vida que viveram e de tantas que viram viver e morrer, conseguiram manter-se no nível dos comuns mortais que humanamente trataram.

Não foi há muito e pouco importa o local público onde ocorreu, por acaso um restaurante, em que ouvi alguém falar de forma tão enfática, com tanta auto presunção, que pensei imediatamente: este cagão é médico. Uma certa forma de presumidamente se colocar a um nível superior dos outros desgraçados, que desgraçadamente necessitam de se colocar nas suas sábias mãos e têm a vida e o bem-estar dependentes do seu conhecimento. A continuação do discurso, demasiado próximo para não o poder ignorar, confirmou-me o palpite: era, claro estava, médico.

Há uma tira da Mafalda, do Quino, em que o pai dela conversa com alguém na praia, até o interlocutor se declarar …. Médico! Aí, imediatamente, nasce da areia uma coluna pedestal que eleva o senhor doutor dois metros acima do pobre…Perdão, de calções somos (quase) todos iguais.

A assunção de superioridade que uma parte da classe ostenta é a mesma de um rico face a um pobre, a de uma bonita face a uma feia. Só que não está em causa a riqueza material nem os favores da natureza; está em causa o poder sobre a vida. Independentemente do mérito subjacente ao estatuto e à função, a falta de humildade e a sobranceria são algo que me choca. Neste contexto muitíssimo mais!

14 março 2017

Os clássicos


Não sou nada apologista da apologia sistemática das glórias passadas. O foco principal deve estar no que ainda está para vir, mas… o que foi feito também conta e, de vez em quando, não faz mal olhar para isso um pouco.

Uma vez por ano reunimos os “clássicos” da “Efacec Robótica”. O nome original não era bem assim, já mudou, mudará (… como é que é mesmo o próximo?), mas este continua a ser ainda a referencia familiar. Passei por lá 14 anos, saí há 16 e ainda é família.

Não estão todos, alguns por impedimento circunstancial, outros talvez injustamente ainda não convocados, mas lá estivemos a revisitar histórias do passado, comentar as do presente e conjeturar sobre as do futuro, numa pequena volta ao mundo, decorada com episódios de todo o tipo e feitio, sucessos e algumas trapalhadas.

A mesma frontalidade de sempre, a mesma ironia na esquina de cada frase, a mesma forma de tudo questionar, a sério ou a brincar e, sobretudo, infalivelmente, a mesma lealdade mútua. Cada qual na sua forma, no passado ou no presente, reencontra identificação e empenho no projeto que vimos nascer e crescer. Que, como disse o Sr Reding, para grande frustração no momento e posterior desafio: “Está tudo muito bem, mas isso não é coisa que se faça em Portugal!”. Mas fez-se e essa afirmação, proferida com sotaque alemão, acabou por se transformar numa enorme fonte de motivação.

Para o ano lá estaremos, certo?

13 março 2017

“Muita giro!”


Foi por acaso que este domingo segui o acontecimento mediático informativo fundamental semanal da paróquia, a “entrevista” a Marques Mendes, e achei “muita giras” algumas considerações dele sobre a atividade do PR.

“Fala demais?” – pontualmente sim, mas globalmente não. Quando eu um dia for apanhado em excesso de velocidade, tentarei explicar ao polícia que foi uma transgressão pontual, mas que globalmente cumpro os limites.

Que o PR não foi um catavento, como alguns previam. Por exemplo, sobre o sistema financeiro, sempre defendeu a necessidade da estabilidade do mesmo … pois, também era o que faltava...

Outra observação engraçada foi acerca do estilo e a "descrispação" (ou lá como se diz) e o otimismo e os afetos e essas coisas todas ótimas para as fotografias. Dizia MM que o estilo do PR até estava a fazer escola, porque agora também se vê o PM a dar beijinhos e a fazer selfies. Pouco depois lá alfinetou Passos Coelho, sugerindo que ele contactava pouco com a população. Lamentável é que na altura e no sítio onde devem decorrer as discussões sérias, os estilos passem para o trauliteiro.

Estamos num país porreiro onde o PR e o PM dão muitos beijinhos e estão sempre disponíveis para selfiar… se isso contribui para a nossa felicidade, sustentada, já é outra conversa, mas que é “muita giro”, é sim senhor.

11 março 2017

Perdões



Não sei mais que dizer como introdução a mais um belíssimo texto descoberto, deste grande senhor, Jacques Brel. E penso que este Cupido e Psique, vistos no Louvre, ficam bem na ilustração do mesmo, quanto mais não seja por antítese.


Perdão por aquela rapariga que se fez chorar
Perdão por aquele olhar que abandonamos rindo
Perdão por aquele rosto que uma lágrima mudou
Perdão por estas casas onde alguém nos espera
E depois por todas estas palavras que dizemos de amor
E que utilizamos como moeda
E por todos os juramentos mortos ao nascer do dia
Perdão pelos nunca, perdão pelos sempre

Perdão de não ver mais as coisas como elas são
Perdão por ter querido esquecer os nossos vinte anos
Perdão por termos deixado esquecidas as lições
Perdão por renunciar às nossas renúncias
E depois por nos enterrarmos a meio das nossas vidas
E depois por preferir a paga de Judas
Perdão pela amizade, perdão pelos amigos

Perdão pelos lugares que nunca cantam
Perdão pelas aldeias que já esquecemos
Perdão pelas cidades onde ninguém se conhece
Perdão pelos países feitos de sargentos
Perdão por ser daqueles que não querem saber de nada
E por não ter cada dia ainda tentado
E perdão ainda e depois perdão sobretudo
De nunca saber quem nos deve perdoar.

07 março 2017

A Europa auto


Enquanto uns curiosos se entretêm com o desenvolvimento de veículos autónomos, que por um motivo obscuro qualquer costumam ter um design evocativo da ficção científica dos anos 70, o grupo francês PSA (e também um bocadinho chinês), comprou as operações da General Motors na Europa, mais conhecidas pelas suas marcas Opel e Vauxhall (no UK).

Penso que esta notícia merece ser destacada e alguma reflexão. A General Motors foi durante muito tempo o líder mundial da produção automóvel, atualmente é terceiro, ultrapassado por um japonês, Toyota, e um europeu, VW, e a sua presença na Europa tinha 88 anos. O grupo PSA, atualmente Peugeot e Citroen, esteve muito débil ainda há poucos anos e foi salvo com uma polémica injeção de capitais chineses. Os seus últimos anos de sucesso foram liderados por um português, Carlos Tavares, mas vamos esquecer os nacionalismos bacocos e pensar em termos europeus.

A GM vendeu porque perdia sistematicamente dinheiro com a operação há vários anos e, certamente, não acreditava ser possível inverter a situação. Conseguirão os europeus ter sucesso onde os americanos falharam? E se também falharem, significa que a Europa como plataforma industrial e mercado perdeu importância e a GM fez bem em sair desta zona decadente. E se a PSA tiver sucesso significa que a Europa tem qualquer coisa, um saber fazer, superior ao dos americanos?

O impacto deste resultado é muito mais do que simbólico. Sem indústria não há emprego nem estabilidade social e a indústria automóvel é um barómetro fundamental. Por falar em social, os sindicatos já estão nervosos. Enquanto se manteve o status quo e as perdas contínuas estavam calmos; agora que se perspetivam mudanças, já “são contra” ou, no mínimo, estão desconfiados. Não, não sou a favor do vale tudo, mas uma empresa que não ganha dinheiro não mantém empregos, fatalmente acabam todos. A menos que os contribuintes contribuam e, aí, o problema fica apenas mais largo…


Foto retirada do Le Monde

04 março 2017

E a culpa será do Trump?


Não faltam, nem faltarão, vozes de protesto, de condenação e até mesmo pedidos de expulsão do cargo dirigidos a Donald Trump. Não o apoio, não me inspira nenhuma simpatia, mas, se quisermos ser objetivos, uma boa parte do “problema” está mais no estilo do que nas ações. Anda meio mundo escandalizado com o muro na fronteira com o México, quando este até já está construído a metade ou a um terço, sem ninguém na altura ter achado escandaloso. O senhor é provocador e sabe que isso funciona. Por outro lado, ele foi eleito democraticamente, segundo regras eleitorais consagradas há muito tempo, e, estranha-se, está a procurar fazer o que prometeu em campanha. Se aqui há algo errado, será com ele?

Supondo que, enfim..., longe vá o agoiro, o nosso Tino de Rans fosse eleito, de que serviria crucificar depois o senhor na praça pública? Quanto mais o “sistema” tentar ostracizar e ridicularizar estas aberrações, mais sucesso elas terão junto dos “desiludidos do sistema”.

Vejamos o caso das próximas Presidenciais francesas, onde Marine le Pen tenta apanhar a onda, para grande preocupação da elite do costume. O seu adversário natural direto, à direita, é François Fillon. Ora bem, este senhor já está enterrado com o que se descobriu sobre os empregos públicos faz de conta, que arranjou para a mulher e filhos. De que serve demonizar a senhora, com tanta fragilidade nos telhados próprios? É de realçar que isto não é uma especificidade francesa; do que vai pelas nossas terras nada cito, dado que, para ser justo e minimamente abrangente, o texto depois não caberia no espaço habitual de uma crónica.

Estes fenómenos democráticos combatem-se com exemplos, princípios e seriedade e, infelizmente, porta-vozes credenciados para a função são coisa muita rara. E quando os desiludidos do sistema se desiludirem de novo com estas supostas alternativas, o que se seguirá será mais grave do que uma simples desilusão.