24 fevereiro 2017

A Susan, a Maria e a Amira

Dentro daqueles fenómenos epidémicos, acertadamente também chamados virais, que se propagam pelas redes sociais e atingem até colunas de opinião de quem tem por missão opinar e, às vezes, nem sabe bem sobre o quê, está o caso do assédio sexual de Susan Fowler na Uber.

Antes de mais, e para começar claro e cristalino, tudo o que seja um ser humano utilizar alguma forma de poder para forçar outro a fazer o que este não quer nem a isso é obrigado, constitui um grave desrespeito pela condição humana e um atentado à dignidade da mesma. Quando o assunto envolve questões sexuais e o poder está no âmbito da hierarquia profissional, aí é especialmente execrável e acrescentem os adjetivos que entenderam. Eu até repetia o parágrafo duas ou três vezes, para ficar bem marcado. Aliás, mesmo sem entrar sequer nesse campo, as relações afetivas em contexto profissional são bastante delicadas, dada a dificuldade em conseguir separar eficazmente os sobressaltos e os humores que os afetos têm com a objetividade e o rigor que os relacionamentos profissionais exigem.

Voltando à Susan, ele foi vítima de assédio sexual dentro da Uber, o assunto ganhou visibilidade e a Uber, que depende muitíssimo da imagem, decidiu envolver um famoso ex-procurador geral na investigação, fazer um generoso mea culpa e por aí fora. Não sei se para pôr alguém no seu devido lugar seja necessária tanta artilharia. Dentro do chorrilho de leituras e comentários que o caso proporciona, vejo ser evocada a ligação com a natureza e a especificidade da Uber. E, aqui, é que o erro é grave. Não será um problema específico da Uber e, dentro do mal que lhe aconteceu, a Susan teve muita sorte em isto ter acontecido numa empresa assim exposta.

Pensemos nas Marias diariamente humilhadas nos Silvas e Silvas, sem nunca poderem sonhar em ver o seu caso mundialmente exposto e com direito a investigação por um famoso ex-procurador; pensemos nas Amiras para quem dois palmos de cara ou formas onde a natureza foi generosa são motivos impeditivos de conseguir uma carreira profissional séria e a independência e a dignidade que tal permite. E, insisto um pouco sobre a Amira. Nunca terá um ex-procurador geral a investigar o caso, nem o mais básico polícia sequer e, provavelmente, nem sequer a sensibilização e a solidariedade da sua opinião pública. Dos que se escandalizam com o caso da Susan, quantos admitem alguma compreensão para com as especificidades culturais “do outro”?

23 fevereiro 2017

O que está em causa

Na gincana “política”, habitual, da discussão do caso Centeno, há um cheiro de tribalismo, que não ajuda nada a iluminar o fundo da questão. Não é relevante se o défice foi bom ou mau, se se trata de, no fundo, defender uma CGD privada ou pública, ou de qualquer outro detalhe secundário neste contexto, por mais relevante que o seja noutro campo.

O que está em causa é que o governo quis contratar um profissional, não político, para uma dada função. Como em qualquer situação habitual em que o contactado não é um pau mandado, este terá dito “sim, nestas condições”, sendo irrelevante se essas condições apresentadas eram lógicas e justificadas ou inviáveis e estapafúrdias. Foram livremente apresentadas e, ao que tudo indica, aceites. Não passa pela cabeça de ninguém que A. Domingues tivesse avançado e assumido o cargo com esse ponto em aberto.

Aqui começa o verdadeiro problema. Sendo essas condições conflituosas com a moral púbica e a legislação em vigor, a reação foi: vamos cozinhar qualquer coisa, a ver se passa. Não passou e, em vez de singelamente assumir a falha, Centeno, não necessariamente o líder desta comandita, e companhia acharam por bem enganar o patego e atirar areia para os olhos de quem fez perguntas. E isso, chateia-me… (e o homem até podia ser prémio Nobel).

20 fevereiro 2017

E a Sra Le Pen agradece


Emmanuel Macron, o candidato da esquerda às próximas eleições francesas foi à Argélia, antiga colónia, e achou por bem afirmar que a colonização constituiu um crime contra a humanidade. Não sei se acreditará mesmo no que disse ou não; os políticos têm por hábito dizer o que acham por bem ser dito.

Se a história da humanidade está cheia de crimes e as guerras por si, para mim, serão todas criminosas, independentemente das causas e motivações, essa colagem direta da etiqueta é abusiva. Devo dizer que, como português, agradeço bastante a colonização que os Romanos por cá fizeram.

Se falarmos de África e de tempos mais recentes, poder-se-ia questionar se as lutas foram mesmo pela libertação ou apenas pela mudança da tutela e se, no pós-independência, há mais ou menos crimes contra a humanidade do que antes, mas aí estaríamos a fugir à discussão do princípio.

Citando o que alguém disse no “Le Point”, em outubro passado: ”… que a colonização na Argélia tinha trazido a tortura, mas também o nascimento de um Estado, a criação de riquezas e de uma classe média. Houve elementos de civilização e elementos de barbárie”. Quem afirmou isto, bastante razoável e equilibrado? O Sr Macron, o mesmo!!!

À sombra da falta de razoabilidade, incoerência e oportunismo descarado destes senhores, cresce a Sra Le Pen. Depois, se ela ganhar… podem organizar manifs.


Foto do France24

14 fevereiro 2017

Dia perigoso

Hoje é um dia perigoso… para ir a um restaurante. Há um sério risco de ser confrontado com uma ementa de S. Valentim; pior do que isso, numa sala decorada à S. Valentim ou, mesmo muito pior ainda, viver uma situação muito deprimente, caso coincida com um jantar junto com um colega de trabalho. Acho que desta última, pelo menos, estou safo.

Saindo um pouco deste merchandising da data (e uso o english mesmo de propósito), se houver um sorriso de alguma forma que gere outro sorriso, já chega.

E para esquecer, ou recordar, que não há nada de mais maravilhoso do que um olhar que tenta conquistar outro e nada mais, mais menos, do que um olhar que considera o outro conquistado.

13 fevereiro 2017

Nada de novo

Realmente não parece acontecer nada de novo por aqui, nesta grande paróquia. As coisas vão e vêm assim como as ondas na praia; limpam a areia de umas coisas, trazem outras, algum lixo, bastante, mas no fim fica tudo mais ou menos igual.

Alguém sabe como ficou ou como vai ficar aquela coisa do salário mínimo com TSU bonificada? Pois é, não tinha nem tem jeito nenhum. O salário mínimo devia ser um limite e não uma norma. De tanto batalhar essa causa, acordaram em subi-lo, mas com subsidio. Bendito país que mãos tão largas tem para satisfazer todos os chorões. A discussão ficou pela gincana tática e, nisso, nada de novo.

A Caixa Geral de Depósitos precisa de ganhar a vida como banco bem gerido, pelo menos deixar de a perder como instrumento do partido do poder. A trapalhada que viveu (ainda vive?), durante meses e que agora fatalmente se decanta, prova o seguinte. O estatuto de gestor público não permitia (permite?) contratar os profissionais necessários e os políticos mentem, para cima, para baixo e para o lado, o que for preciso para flutuarem na porcaria que fazem. Nada de novo e muito menos o facto de o PM vir garantir a pés juntinhos que ninguém mentiu. A novidade é o Presidente querer ver uma evidência assinada (com registo notarial?) e até lá ninguém tem culpa.

Os juros da dívida pública estão a subir. É uma novidade. O que não é novidade é não parecer ser preocupante para ninguém. Ah! Há outra novidade, é o Presidente garantir que, globalmente, a coisa está bem e a melhorar.

Os transportes públicos, de privatização suspensa ou revertida, continuam em degradação, mas isso é ainda culpa da troika. Até à próxima, a culpa será sempre da anterior. Nada de novo.

De resto, reformas e políticas de fundo, coisas feitas e pensadas um bocadito para lá dos títulos da imprensa de amanhã… não vejo. Infelizmente, nada de novo e nós, neste campo, precisávamos mesmo de algumas novidades.

Novidade talvez seja um Presidente que ainda não descobriu que quem muito fala, pouca acerta… ou talvez nem isso seja novidade.