31 janeiro 2017

A infância por Brel


O Senhor Jacques Brel, que eu aprecio há muito tempo, de quem tenho a obra completa há vários anos, continua, de vez em quando, a aparecer e a conseguir surpreender-me.
Para falar assim da infância, é preciso ser-se um grande adulto ! 

A infância, quem nos pode dizer quando acaba, quem nos pode dizer quando começa, não tem nada a ver com a imprudência, é tudo o que ainda não está escrito.

A infância que nos impede de a viver, de a reviver infinitamente, de viver a retornar no tempo, de arrancar o fim do livro.

A infância que pousa nas nossas rugas, para fazer de nós velhas crianças. Eis-nos jovens amantes, o coração cheio, a cabeça vazia. A infância, a infância.

A infância é ainda o direito de sonhar e o direito de voltar a sonhar. O meu pai era pesquisador de ouro; o problema é que o encontrou.

A infância, é meio-dia cada quarto de hora e quinta-feira cada manhã. Os adultos são desertores, todos os burgueses são índios.

Se os pais conhecessem a infância, se os mais pequenos amantes soubessem, se por acaso eles conhecessem a infância, nunca mais haveria crianças, nunca

25 janeiro 2017

O que há


Este texto sai descaradamente fora da linha editorial do blogue, mas é por uma boa causa. Considero fazer sentido o esforço e a heresia, se ajudar alguém na doença do “à” e do “há”:


1) O “à”

Eu vou a + o monte = eu vou ao monte
Eu vou a + a praia = eu vou à praia


2) O “há”

Forma do verbo haver, equivalente de existir. Na dúvida substituir pela conjugação equivalente de existir e ver se faz sentido
Hoje há festa = hoje existe festa – correto
Vamos há (?) praia = vamos existe praia - incorreto


3) O plural

Nas suas conjugações “simples” o verbo haver não tem plural (pelo menos por enquanto):
Não “haverão” razões – há razões
Não “hão” coisas – há coisas
Como auxiliar pode estar no plural
“Havemos de ver as razões; hão de ser feitas coisas”

24 janeiro 2017

E um Almaraz blues?

Estávamos nos inícios da década de 80 e correu a notícia de que Espanha planeava construir um cemitério nuclear em Sayago, lá em cima, junto ao nosso Nordeste. É uma prática habitual os projetos nucleares serem realizados junto às fronteiras; em caso de acidente, metade do problema é imediatamente exportado.

Ainda não tinha ocorrido Chernobyl, muito menos Fukushima, mas, independentemente da razão e do risco real, a mobilização foi enorme. Ninguém queria um Douro sob risco reativo. O protesto até ficou registado no “Sayago Blues”, da dupla Rui Veloso/Carlos Té.

Por estes dias, já depois de Chernobyl e Fukushima, Espanha tem uma central nas nossas portas a funcionar em extensão do tempo de vida e anuncia querer aproveitá-la para depósito de resíduos e… está bem, … o governo português vai protestando…, e a sociedade civil?

Nesta época em que é tão fácil manifestar indignação, em que meio mundo se levanta e solidariza com a imagem de um cão sujeito a maltratos ou abatido por mau comportamento, Almaraz, é uma palavra que deixa a malta indiferente? O pessoal anda preocupado e indignado com a eleição e a investidura do Trump; entretido a praticar o tiro ao Coelho e a quem o apoiar, a comentar, apoiar ou criticar as selfies do Presidente; a decretar juízos e valores sobre taxistas e Ubers, enfim…

Reconheçamos que riscos nucleares não são um problema do “Now!”.

14 janeiro 2017

Encruzilhadas


Ouvi falar de gente com eu, mas nunca relacionei. Fizeram um caminho para serem livres, mas descobrirem terem tomado a direção errada. Mas não vale a pena voltar para trás, porque todos os caminhos vêm ter onde estou e acredito que os percorri a todos, não importa o que planeei.

Crossroads, Don Mclean

12 janeiro 2017

É este o futuro?

Quem já assistiu a apresentações sobre o admirável mundo novo que está aí a chegar, do qual alguns totós ainda não tomaram consciência e devidas ações, que, por isso, necessitam de ir a correr contratar uns consultores para a digitalização do seu negócio e etc e etc, certamente já ouviu falar em unicórnios. Empresas inovadoras, que valem uma pipa de massa e muitas delas por supostamente terem criado um novo modelo de negócio, disruptivo.


Uma delas, bastante sexy, que o pessoal gosta muito de apontar como exemplo é a Uber. Efetivamente, a Uber tornou-se num nome omnipresente e sinónimo de uma mudança radical na mobilidade urbana.

Ora bem, vamos a factos. A Uber está valorizada em muitos milhões, conseguiu convencer muitos investidores a colocar lá fundos, mas (ainda?) perde dinheiro. Eu fico a pensar como uma empresa cujo principal ativo é uma aplicação de telemóvel, por muito sofisticada que seja, que não parece ter quadros, nem ativos de nenhuma forma proporcionais ao seu volume de negócio; uma empresa onde os clientes pagam a pronto, sem calotes, que praticamente nem precisa de investir em promoção da imagem… como é que uma empresa assim precisa de tanto dinheiro e como tem tantos e contínuos prejuízos…

Depois, aqueles que trabalham mesmo, os condutores, também não ficam ricos, muito pelo contrário. Praticam horários alargados, desregulamentados para ganharem o que calha e parece ser uma vida bem dura. Portanto, é este o admirável mundo novo: de um lado uma capitalização de milhões a perder dinheiro e do outro lado uns biscateiros esforçados que se chama pelo telemóvel…? Não faltará nada aqui?

07 janeiro 2017

Mais do que Soares, o Povo

Não é por Mário Soares ter falecido que muda a minha opinião sobre ele. Se posso marcar uma mudança, essa terá ocorrido após a leitura dos “Contos Proibidos” de Rui Mateus, um livro muito incómodo para o PS. Certamente que da sua intervenção na vida política nacional ficará como mais marcante a sua intervenção no verão de 1975 e o travar da “ditadura do proletariado”. Soares teve o sentido de oportunidade para ocupar e liderar o espaço existente por todos os aspirantes a uma democracia em liberdade, identificados com a esquerda, mas frontalmente opostos e desconfiados dos que comiam criancinhas ao pequeno-almoço. Entendo que ele teve a capacidade de identificar esse movimento e de o liderar, mas a vontade de viver em liberdade estava no povo, não foi ele quem a criou. A isso juntou-se um enorme e brutal carisma e capacidade de criar empatia com o povo.

Tecnicamente, Mário Soares foi um mau primeiro-ministro; muitas vezes arrogante mais do que bastaria e, principalmente, rodeado de amigos com negócios muito suspeitos. Donde que, vejo Mário Soares como um homem de poder e não de princípios. Mas, enfim, o povo precisa de reisinhos e a comunicação social aproveita e vende.