30 agosto 2016

O cartel do fogo


É notícia na imprensa espanhola o processo judicial contra o “cartel do fogo”, conjunto de empresas que opera no negócio dos meios aéreos para a extinção de fogos florestais e liderado pela Avialsa. Supostamente manipulavam o mercado e subornavam decisores. As suas operações em Portugal, Itália e França aparecem também citadas.

Seria curioso (ou mesmo imperioso) analisar o histórico do negócio do combate aos incêndios florestais no nosso país. Porque se escolheram os helicópteros russos Kamov? Porque ficaram alguns avariados durante anos obrigando a contratações adicionais de milhões de euros, por vezes em ajuste direto? Quem são os reais proprietários das empresas que concorrem, quais a relação entre elas e porquê as cedências de posições contratuais entre supostos concorrentes?

Para lá do problema comum a todas as contratações que saqueiam e delapidam o erário público, aqui há ainda um outro prejuízo brutal e assustador, o causado pelo fogo. Não estou a afirmar, nem sequer a insinuar nada, mas se há negócios que devem ser escrutinados com todas as lupas, este é seguramente um deles.



Alguns detalhes mais aqui e aqui.

Imagem de um dos aviões da Avialsa ao serviço de proteção civil portuguesa, extraída do site airliners.net.

29 agosto 2016

Folclorite Aguda em Viana do Castelo


As danças, trajes e cantares tradicionais portugueses são ricos, vivos e vistosos. De certa forma isso constituiu uma infelicidade. É sabido que nos tempos do Estado Novo foi feita uma promoção do país e da alegria e riqueza de cá viver, usando e abusando dessa tal espetacularidade, em prejuízo do rigor e do respeito pela verdadeira cultura tradicional.

Posteriormente, principalmente a partir da década de 80, foi feito um esforço de correção de alguns hábitos consagrados pelos grupos folclóricos, anacrónicos quanto à época supostamente representada, que é a dos finais do século XIX, início do século XX, pré-implantação da República. Esses erros incluem a estilização (e mesmo a invenção) de alguns trajes, exposição indecorosa (para a época) de atributos femininos e são particularmente relevantes na área musical, a nível de naipe de instrumentos e na forma como são tocados, com evidente resistência a serem corrigidos.

Recentemente na romaria da Sra Agonia, em Viana do Castelo, terra muito ciosa das suas tradições e preservação das mesmas, vi um grupo, supostamente autentico, deliciar o público com uma versão “folclórica” do “Havemos de ir a Viana”, popularizado por Amália Rodrigues. Está bem que o povo gosta e adotou a música, independentemente da sua origem. Está bem que quando um dia se revisitarem as músicas populares desta época estará lá certamente “os peitos da cabritinha”, mas, no mínimo, com outros trajes… espero.

Há uma fronteira entre o domínio criativo de inspiração popular e o trabalho autêntico de reconstituição de tradições. Essa fronteira pode ser atravessada, mas com sinalização clara e não nesta promiscuidade leviana. Trabalho cultural deve ser sério e não uma palhaçada que não merece o mínimo respeito. O povo merece mais.

26 agosto 2016

Em volta da proibição

Imaginando... que, preparado para mergulhar na onda que se aproxima, sou ultrapassado pela direita e pela esquerda por um monge tibetano e um franciscano, trajados a rigor!? Bom… digamos que seria algo pouco ortodoxo!

E o burkini? Isso é diferente. Apesar da sua ligação confessional clara, pode dizer-se ser apenas uma variante de um fato de banho, algo mais fechada. Mas há outra diferença. Enquanto não estou a imaginar o tibetano e o franciscano envolvidos em grande quezília com objetivo mutuamente exclusivo, com o burkini é diferente. Muitos, não todos mas muitos, dos que defendem a liberdade da sua utilização são os mesmíssimos que se (quando?) puderem, defenderão a proibição do biquíni!

Que bico de obra !

18 agosto 2016

Submissão e 2084


O lançamento do romance “Submissão” do francês Michel Houellebecq coincidiu com o dia do ataque em Paris ao Charlie Hebdo em Janeiro de 2015 e, na altura, foi considerado “inoportuno”. É um livro provocador e gerador daquelas polémicas de que muitos gostam de falar e comentar, mesmo (sobretudo?) os que não conhecem nem pretendem conhecer em detalhe o fundo da questão. Por cá, também tivemos uma vez uma coisa assim com um tal “Evangelho Segundo Jesus Cristo”. Um pouco mais tarde foi lançado o romance “2084” do argelino Boualem Sansal, também candidato a reações irracionais de amor ódio.

Eu li estes dois livros malditos. O do francês não é muito especial como escrita. Por vezes até se perde um pouco no ritmo narrativo. Como tema, temos uma segunda volta das presidenciais francesas de 2022 disputada entre um candidato da extrema-direita e outro da irmandade muçulmana. A esquerda apoia este último que se torna presidente, fazendo avançar uma islamização do país. A banalização da insegurança, o crescimento dos extremismos e o desgaste dos valores versus identidade perdida, são pontos a pedirem reflexão e o cenário descrito é uma oportunidade de se fazerem perguntas. O contexto detalhado dessa França islamizada já me parece excessivamente caricatural.

O livro do argelino é bastante mais denso, confesso ser dos poucos autores de língua francesa que me custa um pouco ler no original, e literariamente muito mais sério. A narrativa passa-se num mundo fantasiado, o título faz a ligação com o 1984 de Orwell, onde a população é estupidificada, enganada e controlada por uma instituição/sistema religioso sufocante, que no fundo se manifesta ser de uma brutal hipocrisia. Não fala em islão, embora se possam encontrar pontos de contacto com um certo tipo de prática do mesmo. Os muçulmanos sérios e interessados, em vez de receitarem a fogueira, poderiam lê-lo e pensar: olha, onde podemos ir parar se não tivermos cuidado com os nossos líderes políticos e religiosos! De uma coisa estou certo, ninguém, mas mesmo ninguém, gostará de viver naquela sociedade do 2084. Sinceramente, vale a pena lê-lo e penso que os livros nunca são inoportunos.

16 agosto 2016

A pólvora e os rastilhos

Se vivêssemos com um barril de pólvora aberto em cada esquina era muito provável que mais tarde ou mais cedo, por acidente ou vandalismo, alguns fossem explodindo. Podíamos reforçar a vigilância, aumentar as penas para os vândalos e os distraídos, investir em meios para apagar incêndios, mas nunca teríamos uma situação segura.

A pólvora dos nossos incêndios de verão chama-se biomassa: o mato e os ramos secos altamente inflamáveis que por ali andam. Podem ser usados para gerar energia! E se se criasse uma rede de centrais de biomassa para produzir energia com a biomassa florestal ao longo do país? Uma ideia que não é nova. Tentou-se implementar há 10 anos, abrindo-se um concurso para licenças para 15 centrais de biomassa, de norte a sul do país, totalizando 100 MW. Tanto quanto sei, das 15 apenas avançou a construção de 2 ou 3 e ignoro se ainda estão em produção. Sobre as razões da falha, será interessante começar por analisar o perfil e a experiência no sector dos vencedores dos diferentes lotes do concurso.

Entretanto, a mal amada indústria da celulose, investiu, construiu e opera centrais de biomassa. Qual a diferença entre os papeleiros e os felizes contemplados do concurso das 15 centrais? Apontaria duas principais: têm um local industrial onde a central é uma extensão, aproveitando evidentes sinergias e reduzindo custos fixos, e conhecem a floresta e o respetivo mercado.

Se existe um problema de viabilidade económica com a cadeia de valorização energética da biomassa florestal, ele também não se resolve aumentando o preço de compra dessa energia, porque aí ainda iriamos ver castanheiros e carvalhos a servir para lenha. Na minha opinião, a solução passar por analisar essa cadeia com todos os intervenientes e considerando todos os custos que o não retirar a biomassa potencia. Quem entende de floresta como a indústria de papel e da madeira e alguns serviços públicos de terreno, pode certamente ser parte importante da solução.

13 agosto 2016

Mais rápido, mais alto, mais forte?


Nunca assisti a uns jogos olímpicos. Atualmente parecem-me até estar um pouco afastados do espírito do Barão de Coubertin. É um grande espetáculo que movimento muito dinheiro e uma competição exacerbada onde, quase, vale tudo. A exclusão inédita dos atletas russos por evidência de dopagem apoio “institucional” é impressionante, embora também faça pensar se foram só eles e só agora. Não me surpreenderia nada que outros países, ciosos de reconhecimento internacional a todo o custo como, por exemplo, a China, fossem apanhados em idêntica malha.

Ao ler algo sobre o caso russo, encontrei esta foto da única atleta russa, Klishina, a quem foi permitido participar (os créditos da foto estão na própria imagem). É impressionante pela expressão muscular. Dir-se-ia que não existe um único músculo do corpo da atleta que não esteja mobilizado no objetivo. Fantástico de linguagem corporal.

E, claramente, as modalidades desportivas que mais admiro são estas, técnicas, como os saltos no atletismo, o voleibol, a ginástica e muito pouco as de força bruta e de técnica pouca.

10 agosto 2016

Entre o Mozart e os 4 acordes

Contaram-me que numa dissertação sobre música se destacava o fosso existente entre a chamada música erudita e toda a restante, referindo-se que uma grande parte (para não dizer a totalidade…) dos sucessos da música ligeira se baseia na mesma sequência de 4 acordes. Até há um vídeo humorístico em que um conjunto passeia por uma vintena de “sucessos” (eu só reconheci 2 ou 3), sempre com o mesmo enquadramento harmónico.

Sim, é verdade que há muita música paupérrima, sempre igual, com estrutura repetitiva, que não merece muito crédito. Sim, mas a alternativa a isso é apenas o Mozart e companhia? Na minha opinião não é. Há inúmera música bem-feita e cuidada para lá da tal “erudita”.

Depois, e num paralelo com outra forma de expressão artística, a escrita, um texto de vocabulário pobre será provavelmente pobre, mas é acrescentando palavras caras e complexas que ele se torna um bom texto? Não necessariamente. Podemos ter um texto simples e belíssimo. Aliás, muitas vezes, o desafio é mesmo esse: ser simples e belo.

Gostos não se discutam e em função da experiência, formação, sensibilidade e até mesmo disposição, cada um terá maior ou menos disponibilidade para um certo tipo de música, mais elaborada ou mais simples. No entanto, presumir essa separação entre o bom, erudito, e o mau, tudo o resto, é um pedantismo que a (boa) música dispensa.

09 agosto 2016

Incêndios em destaque

Será impressão minha ou todos os anos os incêndios começam a sério depois de o primeiro ser notícia na comunicação social? Sem pretender ilibar, mesmo parcialmente, os verdadeiros responsáveis, especialmente da vertente criminosa, e recordando que ninguém pensa em deixar de noticiar crimes para estes não aumentarem, parece evidente que a comunicação social tem uma capacidade de “promover” comportamentos bastante visível neste caso dos incêndios. Como se pode explicar que, após um mês de Julho tão tranquilo, de um momento para o outro o país comece a arder da forma que está? Estiveram todos entretidos a ver a bola?

Para lá de pedir um pouco mais de recato à comunicação social em termos de exploração perniciosa do espetáculo e da desgraça, poder-se-ia, por maioria de razão, pedir mais preparação e prevenção a quem de direito e de função? É que isto ocorre todos os anos!

Em termos de impacto, e para lá daquelas coisas mais abstratas do meio ambiente (se ele já resiste há 30 anos, resistirá certamente até ao final da legislatura), fico a pensar nos turistas que tanto jeito nos fazem. Tão contentes estarão eles com a redução do IVA na restauração e das portagens nas autoestradas que nem se preocuparão muito com este fumozito. Recorrendo à habilidade política tão em voga ultimamente, até os poderemos tentar convencer que ajuda a proteger da radiação UV. Ou, se calhar, nem se importariam de pagar um pouquinho mais de IVA e de portagens para ver menos incêndios e assim cá voltaram e recomendarem o país aos amigos.

08 agosto 2016

Coisas de ir ver a bola

De ir ver a bola há muito quem goste e que esteja disposto a fazer grandes sacrifícios para isso, de tempo (livre) e dinheiro. Se for possível ir vê-la no tempo de serviço e por conta de outrem, será ainda melhor, certamente.

Quando vejo nos grandes eventos futebolísticos, tanta mobilização de figuras, em suposta representação institucional de qualquer coisa, fico sempre com algumas dúvidas sobre qual a real motivação daquelas presenças. Que um deputado chame “trabalho político” a ir ver a bola, é um abuso, que invoque “motivo de força maior” é ignorância crassa ou desvergonha ilimitada.

Que membros de governo vão ver a bola a expensas de empresas privadas é não saberem o que é ser governo. Se a comunicação social fala no assunto e os presenteados a seguir devolvem o dinheiro, significa que reconhecem o erro e só (re)agiram pela exposição mediática.

Aquela gente toda que vai ver a bola, especialmente nos grandes eventos, não é necessária para a promoção dos encontros ou motivação da equipa. Há outras atividades que necessitam e merecem mais apoio institucional e visibilidade do que um campeonato da Europa de futebol. Há formas mais eficazes de promover o desporto e, já agora a cultura, que não passam por estar sentado a assistir. Há gente de mais a ver a bola, fazendo de conta que está “em serviço”, quando, na realidade, está apenas a ver a bola…