30 junho 2016

Pena não haver petróleo?


Caso existisse um belo poço de petróleo no Rossio, no Beato ou algures nas nossas águas territoriais, cujas receitas alimentassem o orçamento do Estado, poderíamos alternar facilmente entre dois cenários de governação, restritivo ou generoso, conforme o grau de abertura da válvula.

Infelizmente, não é assim. O governo distribui a partir de uma espécie de reservatório, alimentado fundamentalmente com as contribuições dos cidadãos e empresas. Se sair mais do que entra (e não se quiser ajustar a válvula de saída), teremos um grande problema a prazo. Uma solução é pedir emprestado. Antes de mais, será necessário haver quem empreste e, como o próprio nome indica, um empréstimo é para ser mais tarde ser devolvido, com juros. Se a sua aplicação gerar receitas adicionais, poderá o balanço final ser positivo. Para isso é necessário visão, competência e rigor, coisas infelizmente pouco comuns na administração pública.

Para evitar a seca do tal depósito, os Governos têm também a opção de aumentar ou inventar impostos, com maior ou menor imaginação ou eufemismos. No entanto, a coleta fiscal não é/não deveria ser um direito de saque ilimitado.

Quando leio, por exemplo, que o Governo vai dar isto ou entregar aquilo, sinto que a história vem sempre a metade. De facto, não existindo o tal poço de petróleo, ele estará apenas a transferir verbas de um local para o outro. Quando se fala em “apoios às empresas”, significa que todos irão pagar direta ou indiretamente para beneficiar alguns. Quais os critérios para essa redistribuição? Serão justos e sãos? Não irão beneficiar principalmente alguns atores próximos do poder, especialistas em parasitar a “corte”, em detrimento de outros, focados em fazer bem e em criar riqueza a partir da sua atividade de base?

Se, por um lado, é pena não existir o tal poço de petróleo, também é verdade que nos países ricos em recursos naturais, o habitual é vermos uma disputa furiosa sobre o controlo dos mesmos, resultando quase sempre numa situação pouco salutar e socialmente injusta.

O melhor mesmo é trabalhar seriamente… e deixar trabalhar.

29 junho 2016

Desafio superado

Se esta não é a minha primeira e única selfie, pouco menos. Uma vez sugeri que junto a cada um destes registos se tentasse acrescentar uma reflexão: “Quem sou eu aqui, o que aprendi e o que ficou deste momento?”.

Assim sendo, refletindo e justificando... O alto da Serra de Arga é desafiante. Há cerca de 3 anos, quando comecei a pedalar com mais regularidade, olhei para o alto daquela muralha e pensei: será um bom desafio, questão de preparação. E lá fui pedalando, melhorando a forma e subindo, mas sem passar duma escala 4 vezes inferior à do desafio.

Há cerca de um ano e meio atrás a forma caiu bastante, sem eu saber porquê. O âmbito das pedaladas e a altitude alcançada encolheram bastante. A seguir soube o porquê da limitação, felizmente identificada e tratada. Devagarinho e com cuidadinho retomei o desenvolvimento da forma.

Dia 24/6, feriado no Porto, saí de Viana sem grandes restrições de horário. O objetivo inicial até era rolar kms, mais do que subir metros. O primeiro destino pensado era Cerveira, mas o vento norte soprava tão desconfortável, que em Ancora desviei para o interior. Daí, para fazer distancia, podia ser Lanheses e Ponte de Lima, ou subindo um pouco Dem e Caminha, ou, puxando mais um pouco, Dem, Arga e Covas.

Puxar, por puxar…, vi a majestosa muralha à minha frente, a forma estava boa e o ritmo bem marcado. Tão entretido e animado ia que, quando as coisas começam a complicar em Amonde, um excesso de confiança fez acordar um bichito, sequela de um excesso antigo, que me morde um joelho de vez em quando. Entrei na reta de S. Lourenço com sérias dúvidas sobre se a viagem acabaria ali, mas o bicho acabou por adormecer e sossegar.

Como não tinha preparado a viagem, e há muito tempo não pensava naquilo, nem me recordava se a altitude total eram 500, 600 ou 800m. Também não liguei o mapa do GPS. Fui apenas avançando de curva em curva, acreditando ter sempre uma pedalada mais para dar. Não valia a pena ver os km’s arrastarem-se nem olhar para a miserável velocidade linear. Para lá da FC, apenas lia o altímetro que, esse sim, mexia-se bem. Parei duas ou três vezes, um ou dois minutos. O tempo de verificar a pressão dos pneus, deixar arrefecer a temperatura da água do motor, essas coisas…

Depois de 7 km a moer, cheguei, bem moído, e o altímetro marcava 794 m. Praticamente o dobro do meu topo anterior. Encostei a bicicleta e achei que valia uma selfie. Desafio superado.

27 junho 2016

A roleta russa tinha balas

Mais ou menos na altura da primeira trinca na primeira sardinha lembrei-me: - É verdade, já se sabe o resultado do referendo no Reino Unido? – Não, só depois das 22h, responderam-me. Continuaram outras sardinhas e outras conversas sem mais me lembrar do assunto. Pareceria que o lógico “remain” ganharia, mesmo por pequena margem. No dia seguinte de manhã acordei com a surpresa do “exit”. A EU tem problemas, em parte simplesmente devidos à fraca qualidade geral dos políticos. É por estar a ser mal interpretada que deve ser destruída?

David Cameron resolveu dramatizar e jogar à roleta russa, esquecendo-se de que podia sair bala. Muitos eleitores votaram por protesto sem mediram o real resultado e a irreversibilidade do seu voto. Pagou-se também a fatura de anos de desresponsabilização ligeira, não exclusiva do UK, de políticos, mesmo pró-europeístas, do “não podemos fazer mais por causa das regras de Bruxelas.”. Temos ainda os populistas de esquerda e de direita para quem o caminho do poder passa pelas alternativas destrutivas.

Curiosamente, nos países ricos um argumento principal do contra é deixar de financiar os preguiçosos do sul enquanto os países pobres pedem “de Bruxelas que venham verbas e esqueçam lá as regras”. Está-se mesmo a ver uma roleta russa com muitas balas.

Eu ainda posso entender ser fácil os do norte comprarem a argumentação “vamos deixar para trás este lastro e andaremos mais depressa …”. Agora nós, do sul, queremos voltar ao “orgulhosamente sós”, por favor. Já vivemos esse filme e não foi bonito.

A Europa é um projeto fantástico. Provavelmente sem uma bárbara guerra anterior, nunca teria nascido. É triste e desrespeitoso vê-lo ameaçado por calculismo, demagogia e falta de visão.

23 junho 2016

Questões de saúde e de vergonha


Com o sol das praias ao virar da esquina, nova tinta volta a correr pelo país do nevoeiro sobre a publicidade aos corpos “perfeitos”. No ano passado fez furor um anúncio no metro de Londres com uma modelo algo magra e, em contestação, não faltaram algumas senhoras algo gordas a posarem junto ao cartaz, orgulhosas dos seus pneus.

Este ano, Sadiq Khan, recém-eleito mayor da cidade (e a sua religião deveria ser irrelevante), anuncia que irá proibir esse tipo de publicidade com “corpos irrealistas e não saudáveis” e que poderão “fazer as mulheres sentirem-se envergonhadas dos seus corpos”. Estamos todos de acordo contra a “promoção” da anorexia mas … a gordura que as contestatárias têm gosto em apresentar publicamente, além de inestética, de saudável também não tem muito.

Relativamente a as “mulheres se sentirem envergonhadas” dos seus corpos, há corpos perfeitamente equilibrados e saudáveis que podem provocar esse desconforto… vamos proibi-los? E vamos proibir as mentes brilhantes de falarem em público, para os cidadãos intelectualmente mais limitados não se “sentirem envergonhados” (curiosamente, um certo tipo de televisão já entendeu que dar palco a gente abaixo da média funciona bem termos de audiência…)?

E os atletas que correm a maratona, não irão fazer sentir frustrados quem não aguenta 100 metros? Vamos banir tudo o que é “acima da média” para não melindrar ninguém…? O melhor do que nós deve desafiar-nos e não frustra-nos. Não é ocultando-o nem, muito menos, banindo-o que teremos evolução.

Para não repetir a tal imagem polémica do biquíni amarelo, foi buscar a fotografia acima de uma publicidade a biquínis mais colorida. Esta foto pode ser exposta publicamente ou a elegância a alegria de viver incomodam alguns e, sendo assim, deverá ser censurada?

22 junho 2016

Bem me parecia


Cada vez que recebo uma fatura da EDP fico sempre com dúvidas sobre se as contas estão certas. Por estes dias recebi um folheto com umas estatísticas sobre a origem da energia por mim consumida e confirmei que, realmente, há por aqueles lados umas lacunas matemáticas graves.

A olho, graficamente, as parcelas “renováveis” representariam aproximadamente 3/4 do total. Excelente! Só que, há qualquer coisa que não bate certo: então os 12,46% do carvão estão representados muito mais pequenos do que os 7,3% das outras renováveis!?

Na metade esquerda do círculo, parece haver uma dimensão equivalente entre a soma das duas origens renováveis e as restantes três. No entanto, na realidade a relação é de 15,36% (7,3 + 8,06) para 33,89% (9,85+ 11,58+ 12,46) – é só fazer as contas!

E agora, que confiança posso ter eu na minha fatura?!

21 junho 2016

Portanto, nada de novo

“Portanto” é uma conclusão, mas podemos começar assim, dado que conclusões, mesmo conclusões, corremos o risco de não as vermos tão cedo.

O novo PM sugeriu aos professores de português que emigrem, pouco original. Uma deputada e ex-ministra (da cultura, parece ser sina) “desabafa inopinadamente” nas redes sociais, questionando porque uma jornalista ainda não foi despedida. Os “colegas” de Rodrigues dos Santos querem afastá-lo da função de pivot do telejornal da RTP1, está tudo danado por causa de um livro “satânico” que ele escreveu.

Há quem não queira trazer a público as origens do drama do buraco na CGD e o detalhe da “roupa suja” dos 4 mil milhões de euros de dinheiro público evaporados… ? O ex-PM negacionista de vocação já veio antecipar que ele não influenciou nada, mesmo nada… provavelmente nem sequer o seu camarada Armando Vara, um génio financeiro com um assombroso CV bancário.

Por aqui nada de novo, portanto….

Entretanto, o novo PR distribui afetos e selfies q.b. e só falta mesmo o Cristiano abrir o ketchup e começar a marcar uns golaços para o país subir ao sétimo céu. Infelizmente, a satânica economia parece ignorar este otimismo de caras e caretas e vai piorando. Maus tempos se anunciam para os jornalistas económicos.

20 junho 2016

Que força é esta…?


Quando for grande irei estudar a evolução das religiões e respetivas assimilações e interações com outros cultos e tradições estranhos à sua base original. Até que ponto a religião molda a sociedade/cultura, em que medida a sociedade e a tradição local contrariam e influenciam a religião.

Nesta foto, tirada por mim numa missa recente, procuro apontar o carater matriarcal atual da religião católica. As Nossas Senhoras estão por todo o lado e são fundamentalmente elas quem atrai as multidões peregrinas. Só como exemplo podemos citar Fátima, Lourdes, Guadalupe, Aparecida, Pilar, mas a lista é infindável. O sentir da religião católica hoje tem por destinatário muito mais Maria, do que a Santíssima Trindade habitual (e oficial). Como aconteceu isto, como se desenvolveu este culto, atingindo uma dimensão sem correspondência com o destaque de Maria nos livros sagrados originais?

A Kaaba de Meca, existia antes de Maomé começar a pregar a nova religião e foi “integrada”, acabando por se tornar o local central principal do Islão. Há inclusive um episódio curioso, que para a maioria provavelmente apenas evoca o título do romance polémico de Salman Rushdie: “Os versículos satânicos”. Os versículos do Corão são apresentados como a transcrição da mensagem divina, transmitida a Maomé pelo Arcanjo S. Gabriel. Ora, numa dada passagem, S. Gabriel terá dito a Maomé que três divindades “antigas”, muito populares na altura, seriam aceitáveis no ponto de vista de Deus. No entanto, mais tarde, concluíram que afinal teria sido uma mensagem falsa, transmitida pelo Diabo, que enganou Maomé, presumindo ser o arcanjo, e a bendição dessas divindades foi revogada.

Antes e durante existem forças estranhas à fé ortodoxa (no sentido literal da palavra) que a desafiam. Às vezes ganham, outras vezes perdem. Que forças são estas, donde nasceram, como se diferenciaram? São apenas heranças de espiritualidades antigas, que caíram mas sem se apagaram completamente do (in)consciente dos povos? Este jogo e esta relação de forças são um tema apaixonante da história das civilizações.

E não é por acaso que falo disto nesta altura dos “Santos Populares”, uma apropriação das festividades pagãs do solstício de Verão. Se não os podes vencer, junta-te a eles?

16 junho 2016

De relativização em relativização

Aquando do massacre dos jornalistas do Charlie Hebdo em Janeiro de 2015, não faltaram umas vozes progressistas e (pseudo?) pro-terceiro-mundistas a relativizar, colocando alguma “culpa” nos próprios jornalistas, na medida em que estes “tinham provocado”, é preciso “respeitar o outro” e outras considerações perigosas e inaceitáveis para o que é e foi um crime bárbaro e injustificado. Mesmo alguns ativistas islâmicos de cara civilizada viram uma boa oportunidade para pedirem mais “respeito” e houve quem achasse que uma solução (?!) passaria por uma espécie de autocensura.

Agora com o massacre no bar gay de Orlando, ainda não vi ninguém a colocar uma coresponsabilização nas próprias vítimas, na medida em que ser homossexual é declaradamente contra os princípios islâmicos e até com um enquadramento legal que chega nalguns países à pena de morte. Não vi ninguém a reclamar que a “solução” passa por tirar os gays do espaço público, fechar os locais dedicados e “não provocarem”. Gostava de ouvir os ativistas islâmicos de cara civilizada falarem sobre esta questão.

Reforço que falo de ativistas islâmicos. Aqueles que têm por objetivo islamizar o individuo, a família, o país e o mundo, que se encontrarem obstáculos lutam, se essa luta tiver que ser violenta, eventualmente por procuração, sê-lo-á e que se for preciso morrer nessa luta, isso é uma honra e uma obrigação.

Não me refiro aos muçulmanos que querem viver em paz com a sua religião inseridos numa comunidade diversa. Esses também são atacados e combatidos, embora de outra forma, pelos ativistas de cara civilizada. Não há nem pode haver relativização possível face a estes crimes nem tolerância face a tais propósitos.

PS: “Relativizar” com base nas dúvidas sobre o “islamismo” do autor do massacre é mais uma diversão dispensável.

15 junho 2016

Estes dias de junho…


Estes dias de junho são um pouco particulares para mim. Em tempos idos, marcavam o fim do período letivo e a descompressão do início das férias, com um certo cheiro de festa. Em termos biológicos, os dias alongados e o golpe de calor pesam-me. Tenho sempre alguma dificuldade em habituar-me a aumentos de temperatura bruscos.

Por estes dias viajei de Paris a Constantine, Argélia, na Air Algérie, em período de Ramadão, que, nesta altura do ano, representa cerca de 17 horas de abstinência. A hora prevista de aterragem era às 19h15 e o fim do jejum estava previsto para pouco antes das 20h. Apesar de em circunstâncias normais uma hora de atraso ser norma, desta vez não havia tempo a perder. Chegado o autocarro ao avião antes dos passageiros com necessidade de assistência especial, o comandante anunciou: ou os “doentes” estão cá dentro de 5 minutos, ou já não entram. Felizmente chegaram e entraram. Ainda havia umas 9 pessoas de pé e com sacos no corredor e o avião já mexia e manobrava, para sair do ponto de estacionamento. Felizmente conseguiram sentar-se e arrumar os sacos antes da descolagem. 
Não me apercebi se a contagem de passageiros chegou a ser feita. A minha janela de emergência, a da fotografia, tinha aspeto de já ter sofrido alguma urgência. 

Chegamos a horas a Constantine. Fiquei bem instalado. Apesar de inicialmente de me enviarem para um quarto já ocupado, felizmente a chave não abriu, e depois para um piso supostamente fora de serviço, com os corredores sem iluminação. Felizmente os telemóveis servem de lanterna, No dia seguinte a temperatura andava pelos 40 graus, provocando-me o tal golpe de calor. No final do dia, sentia-me pesado e quebrado, apesar de ter comido e bebido…

10 junho 2016

Evitar o nevoeiro


Ksar = Castelo;

Al (ou El) Ksar = O Castelo; em transposição direta: Alcazar, Alcácer;

Kebir = Grande;

Ksar el Kebir = O Castelo Grande.

Alcácer Quibir é a transposição para português do nome desta cidade marroquina. Houve uma batalha por estes lados em 1578, a que demos esse nome. O nosso D. Sebastião ficou ali. Morto ou vivo, não regressou. Também ali morreu o seu aliado marroquino Abu Abdellah Mohamed, anterior rei deposto. E também ali morreu o rei/sultão vitorioso Abd Al Malik. A batalha é conhecida em Marrocos por “A batalha dos 3 reis”.

O campo de batalha também não foi nas proximidades imediatas desta cidade. Foi junto à foz do rio Mekhazen no Loukos, uns 25 kms a noroeste. Para lá de um certo despropósito e do comportamento irresponsável de D. Sebastião, estava em causa mais do que um episódio das velhas guerras locais entre o cristão e o mouro. Havia também o turco, aliado de Abd Al Malik, e discutia-se o seu acesso à costa atlântica.

Sete anos antes, em 1571, os otomanos tinham tido uma derrota na batalha naval de Lepanto, simbólica. Simbólica pelos estragos materiais terem sido recuperados com alguma facilidade e simbólica também por alguns pretendem ver ali um sinal de que, pelo menos no mar, Istambul ficava para trás. Algo começava a correr mal.

A batalha de Alcácer Quibir correu-nos muito mal. Porquê? Por várias razões, como as crónicas e os historiadores documentam. Mas pior, pior mesmo, é assumir resignadamente que uma solução chegará por magia numa manhã de nevoeiro.

08 junho 2016

Uma Aldeia Francesa


Confesso. A série agarrou-me logo no início. Por ir para lá do básico maniqueísmo habitual nestas narrativas sobre o nazismo e a ocupação. Os personagens não se dividem estaticamente entre colaboracionistas oportunistas sem escrúpulos e heroicos resistentes de grandiloquentes princípios. A realidade é e terá sido certamente mais complexa e, sobretudo, evolutiva. A ocupação não foi apenas um tsunami pontual, que na altura da catástrofe revela os covardes e os heróis do momento. Foram muitos dias, muitos meses e até anos em que a vida teve que continuar.

E, nesta luta diária, quem teve mais mérito? Daniel Larcher, o médico presidente da câmara que, pelo menos inicialmente tenta jogar o jogo com os alemães, negociar com eles, condicioná-los, minorando os efeitos nocivos para a população, ou o seu irmão Marcel, e os seus amigos comunistas que decidem matar um oficial alemão, para marcar posição, provocando o lançamento de represálias…?

A cena da diferença entre a perspetiva e a realidade do prato de puré foi magistral. A partilha final da cela e o fuzilamento simultâneo do resistente comunista e do novo presidente colaboracionista só pecou por ter sido demasiado rapidamente diluída na ação. Merecia mais tempo e profundidade. As aproximações amorosas e culturais entre partes dos dois lados são um desvio pecaminoso ou uma consequência natural da unicidade da espécie humana? A resposta não é evidente e estas interrogações fazem parte do interesse da série. Preferiria que se tivesse arrastado menos e não intricando tanto o enredo, com incontáveis e mais ou menos verosímeis percalços, felizes e infelizes coincidências, à la Jack Bauer (24), mas isso deve fazer parte da receita comercial. As denúncias por pressão sobre os afetos também me pareceram um ingrediente demasiado usado e abusado.

A minha curiosidade principal agora é ver como será tratado o pós-libertação e como na voracidade dessa mudança serão carregados ou atropelados os justos e os oportunistas. Promete…!

07 junho 2016

Administrar a Caixa

Foi notícia a nomeação do novo conselho de administração da CGD, onde o número de membros passou de 14 para 19. É também sabido que o banco público está com um buraco enorme, fruto do contexto económico e de vários calotes (evitáveis ou inevitáveis…). Não se sabe ainda bem como será tapado o buraco, mas poucos serão os que acreditam na história do “sem custo para os contribuintes”.

Neste contexto, os 19 administradores da CGD serão uma obscenidade? Por um lado, pelo número, diria que sim. Parece mais um parque de estacionamento para quem perdeu a garagem. Por outro lado, as remunerações anunciadas para os administradores não executivos da ordem dos 20 mil Eur/ano são um mistério para mim. É um valor demasiado elevado para não fazer nada e relativamente pequeno para o nível de responsabilidade supostamente envolvida.

Será que para evitar derivas perigosas na gestão do banco é importante ter um número elevado de administradores, mesmo a 20 mil Eur/ano. E serão realmente isentos e independentes quando este valor é muito provavelmente minoritário na sua declaração de rendimentos? E o complemento de rendimento desses administradores terá que origem e que interesses? E o não conflito desses interesses com a função em causa está garantido? E o problema da CGD, e de outras entidades da esfera pública, não terá origem precisamente numa certa promiscuidade e cruzamento de interesses de quem a conduziu? E, sendo assim, será aumentando o número de administradores para 19 que se vacina a doença? Não é. Se o espírito e os princípios se mantiverem, até se poderão arranjar 190, que nada no fundo mudará.

06 junho 2016

Respeito por Abril

Na lapela do seu melhor fato, o Presidente colocou o mais gordo e vermelho cravo do mercado, preparando-se para as comemorações do 25 de Abril. Isto passa-se numa vila ou numa cidade, no interior ou no litoral, à esquerda ou à direita. Estarão lá todos os representantes da sociedade, todas as suas forças vivas, e até mesmo o líder tradicional da oposição, a cumprimentar com uma ligeira cumplicidade. Este mundo dá muitas voltas e devemos ser uns para os outros. 

Boa notícia é já não aparecer o Brás, o antigo diretor da biblioteca municipal. Não é que o atrevido convidou para uma conferência, sem avisar ninguém, um individuo complicado, com umas ideias que muito embaraçaram o Presidente na sessão pública? Democracia também é respeito e, ele, legitmamente eleito, não tolera nenhuma falta de respeito. O Brás já foi substituído pelo Antonino, um bom rapaz, certinho, que até o ajudou a dar um toque literário ao discurso do dia. Sugeriu duas citações: a das “portas que Abril abriu” e a da “madrugada do dia inicial”. O Presidente optou pelas “portas”. Fazia-lhe alguma impressão a ideia de se passar algo importante de madrugada, enquanto dorme. 

Fechada a porta do carro da Presidência, uma nuvem escureceu-lhe o horizonte. Era naquela viatura oficial que a mulher costumava ir à capital, para as suas necessidades. Um funcionário da câmara, o Quincas, tinha tido o descaramento de a fotografar lá. Esse já tinha carta de marcha e o tio dele, que fazia umas obrazitas para a autarquia, bem podia ir procurar trabalho para outras freguesias. Também lhe faria bem esperar um pouquinho mais pelos pagamentos devidos. É fundamental ensinar o respeito. 

Quando chegou à sua vez, o Presidente colocou a voz para o discurso, tão atento à forma, que se lhe baralhou um pouco o conteúdo: “As portas que Abril não abriu…” Ninguém ousou assinalar-lhe o erro, isso seria falta de respeito. Foram bonitas as comemorações. Como é costume falou-se muito de democracia, liberdades, cidadania, participações, de todas essas coisas importantíssimas. 

Esta história é naturalmente ficcionada. Não conheço ninguém chamado Antonino.

01 junho 2016

Num quarto perto do seu


Por norma tenho um sono pesado, principalmente na primeira fase. Por exceção, já tinha sido acordado naquele local há uns meses, quando um tremor de terra pusera a porta do quarto de banho a bater violentamente contra a parede e a cama a deslizar pelo quarto. Um abanão idêntico tinha ocorrido uma semana antes, na minha ausência, sendo a probabilidade de tal voltar a acontecer baixa.

Desta vez acordei com uns gritos e os ruídos de algo pesado a ser pousado e arrastado pelo chão, comentando para mim mesmo: Este pessoal hoje está nervoso… andarem assim aos berros a arrastar a mobília a estas horas! Desde que uma vez acordei com uns técnicos a resolverem um problema de canalizações dentro do meu quarto de banho, sem sequer dizerem boa noite, que me surpreendo pouco com coisas bizarras. Uns minutos depois telefona-me um colega, alojado no mesmo hotel: “Anda por aí um incêndio, desça, desça!”.

O tempo de vestir e calçar algo e lá vou escadas abaixo, cruzando-me com os “gendarmes” que subiam para investigar. Uns minutos depois chegaram os bombeiros, mas o fogo já tinha sido dominado pelos empregados do hotel. Os tais ruídos não eram da mobília, mas sim dos extintores a serem transportados e pousados no chão. O sistema de alarme que funcionou foi o guarda noturno da rua, que viu fumo a sair pela janela. Felizmente a janela dava para a rua.

Arderam as duas camas e parte da mobília do quarto 304, imediatamente por cima do 204, o meu… Dado que o calor sobe, seria pior se eu estivesse no 404. A boa notícia é de que a probabilidade de tal voltar a acontecer é baixa (e o importante é que recarreguem os extintores rapidamente).