29 setembro 2015

Em jeito de prognóstico


Depois de 4 anos duríssimos, plenos de medidas impopulares, era previsível o poder cair no colo do PS, quase sem esforço. Aparentemente não será assim e parece claro que António Costa perderá as eleições.

Pode ser uma lição e um sinal de maturidade acrescida dos eleitores. Aqueles excitados que criticavam A.J. Seguro, talvez entendam agora que há uma diferença entre o que aparelho adora e o que o eleitorado aprecia. A. Costa foi dizendo e ajustando o que dizia, conforme achava necessário para ganhar as eleições e não convenceu.

Se tivesse dito: “não queremos castigar mais os contribuintes e pensionistas, vamos reduzir a despesa pública”, enunciando medidas concretas e sérias de reforma do aparelho do estado, teria tido o benefício da dúvida. “Não vamos tirar nada a ninguém e o dinheiro há-de aparecer, está tudo aqui neste cartapaço de folhas A3, que espeto no nariz de quem não acredita…“ não convence… Eu, por exemplo, não entendo como reduzir as contribuições para a segurança social, e deixar mais dinheiro no bolso do pessoal, é virtuoso quando proposto pelo PS, porque gera crescimento e, ao mesmo tempo, pernicioso quando é proposto pela PaF, porque irá promover a especulação financeira.

Lamento que a coligação vá assim ganhar, sem precisar de grande esforço de correção, nem da humildade associada. Limita-se a anunciar meia dúzia de medidas simpáticas e a apontar as areias movediças por onde o PS resolveu caminhar.


Nota: imagem retirada de uma reportagem de campanha, com uma sequência de pulos de A. Costa... ele bem tenta subir, mas o efeito não é o ideal !

27 setembro 2015

Para lá da Síria


Quando se ouve falar na questão dos refugiados Sírios, parece que apenas existe guerra nesse país, mas não é o caso. Olhando unicamente para as proximidades da bacia mediterrânica, há guerra mais ou menos convencional na Síria, Iraque, Iémen, Sudão Norte x Sul, Israel x Palestina. Há golpes de estado violentos não estabilizados na República Centro Africana e Burkina Fasso (por agora). Há guerrilhas muito ativas e violentas na Somália, já passando ao Quénia, na Nigéria, já passando aos Camarões e ao Chad, na Líbia, no Sinai, no Mali, no Niger, Afeganistão e Paquistão. Regimes particularmente violentos e desrespeitadores dos direitos humanos na Eritreia, Burundi… e fico por aqui, dado que já estou a sair do mapa. Será mais curto, e mais difícil, enumerar os países em que existe segurança e um mínimo de condições de vida para a generalidade da população.

Vamos trazer os habitantes destes países problemáticos para a Europa? Só na Nigéria são 170 milhões. Sem desenvolver a ironia de serem necessários muitos monovolumes para ir buscar essa gente toda, é obvio que não!

23 setembro 2015

Ambiente de negócios

Quando em 1976 o Concorde iniciou os seus voos comerciais, foi proibido de aterrar nos EUA por questões ambientais. Curiosa a sensibilidade para o tema neste país, que, por coincidência, não tinha conseguido pôr a operar o Boeing SST, o seu avião comercial supersónico.

Na Europa, bastante sensível ao custo dos combustíveis, cerca de metade dos automóveis são “diesel”, um tipo de motorização praticamente ignorado pelos construtores americanos. Por coincidência, os limites de emissões permitidas para estes motores são muito mais apertadas nos EUA do que na Europa.

Se alguns construtores europeus conseguiram cumprir essa norma, a VW resolveu aldrabar. Instalou um sistema que detetava a situação de laboratório para alterar a gestão do motor e reduzir as emissões, apenas nessa fase. Enganar mais de 400 000 consumidores e uma agência governamental, e logo nos EUA, foi uma temeridade que vai custar muito, muito caro.

Os condutores que acham que o seu veículo consome mais do que o anunciado pelas marcas, podem também registar que não são casos únicos e que a tendência é piorar. É curiosa a evolução desse desvio no estudo “From Laboraty to Road” do ICCT de Setembro 2014: de 8% em 2001 para 38% em 2013. Considerando que os hábitos de condução não mudaram significativamente, os valores anunciados estarão cada vez mais otimistas… e irrealistas.

O impacto ambiental do automóvel é demasiado relevante para ficar à mercê de manipulações. Este escândalo da VW é demasiado grave para morrer no castigo de meia dúzia de engenheiros. Será suficiente para abalar e modificar a cultura desonesta que o permitiu…?

22 setembro 2015

Duas quedas

A imagem aqui ao lado mostra o Sr Harald Krueger, CEO da BMW desde há pouco, quando teve um clique e caiu redondo no chão, na semana passada, ao fazer uma apresentação na feira automóvel de Frankfurt. Não tinha razões para cair, para lá do eventual nervosismo e stress. A BMW está muito bem e a melhorar. Ele parece ser uma pessoa cordial e respeitada, não um líder autoritário promovendo o culto da personalidade. Caiu por ser humano. Apesar de toda a tecnologia ali à volta, e da qual a marca depende, ela depende também de pessoas que não são máquinas.

No final da semana houve outra queda na indústria automóvel alemã e muito mais grave. Descobriu-se, e a marca reconheceu, que a VW aldrabava os testes de emissões dos seus diesel nos EUA. O veículo detetava quando estava a ser testado em laboratório, automaticamente reduzia performance e emissões e depois, em utilização normal, as emissões disparavam. Isto é muito feito. Fazê-lo a mais de 400 000 clientes e enganando uma agência governamental nos EUA vai sair muito caro. Como poderia ser previsível os motores “kitados” não foram apenas os destinados aos EUA. Diz agora a marca serem 11 milhões… ! Para lá do custo direto há um enorme rombo na imagem. A imagem da indústria automóvel alemã e da VW em particular, baseada no rigor e com muita enfâse nas preocupações ambientais leva um arranhão que a há-de enferrujar por uns bons tempos.

Que raio de cultura é esta? Se têm a coragem e o desplante de fazer isto mesmo aos poderosos, que se pode esperar do resto?

21 setembro 2015

É um rio e não um lago

Parece-me assustadoramente ligeira e mal refletida a forma como a comunicação social e os políticos estão a tratar a questão dos migrantes. Até há bem pouco tempo, todos eram emigrantes ilegais a repelir, agora parece que são todos refugiados (e sírios) a acolher. Ambas as visões não estão corretas. Quando se fala em abrir as fronteiras está-se a cometer um erro de leitura e de escala tremendo. Não está em causa receber um número mais ou menos fechado de 100 ou 200 000 pessoas; está em causa um fluxo contínuo que pode chegar a 10 000 pessoas/dia e que não esgota tão cedo. Não estamos a esvaziar um lago; estamos a receber um rio.

A decisão da Alemanha de fechar as fronteiras era perfeitamente previsível, apenas uma questão de tempo. Pretender redistribuir o fluxo pelo resto da Europa é outra questão de tempo. Enquanto se falar de quotas com valores fechados, está-se a persistir no equívoco.

Na origem dos problemas estão as guerras. Apontar individualmente imperialistas americanos, agressores israelitas, arrogantes monarquias do golfo, fundamentalistas iranianos, oportunistas franceses ou intervencionistas russos, etc., conforme a simpatia política ou cultural, é outro erro grosseiro.

Contribui também, e muito, o desgoverno em tantos países. Aqui o problema é bastante mais complexo, porque se cruza a direito à autodeterminação com a manifesta incapacidade de criar uma sociedade minimamente justa, próspera e digna. Existem desgraçados, certamente. Para lá de não poderem vir todos para a Europa, ficar simplesmente emocionado com as imagens da desgraça, é muito pouco.

16 setembro 2015

Tradisom


Estes dois já vêm a caminho.

Não, não vendi espaço de publicidade no blog, mas o destaque justifica-se.

É um sítio que vale a pena acompanhar, pelo trabalho meritório de promoção e divulgação da música tradicional portuguesa.

10 setembro 2015

Entre o pelo do cão e o cujo da galinha.

Para lá dos truques e tricas, se um individuo se inclinou para a frente e o outro para o lado, do pouco que se disse e do tanto que passou ao lado, no final do debate entre P. Coelho e A. Costa, fica a visão de uma diferença fundamental entre os dois caminhos apontados.

Independentemente da justeza e da bondade dos critérios, a coligação propõe vivermos com o que temos e gastar mais quando houver mais; o PS acha que podemos já gastar mais e o dinheiro há-de aparecer. De uma forma simplista, em linguagem mais prosaica, a coligação propõe crescermos com o pelo do próprio cão e o PS acredita que vai haver ovo no cujo da galinha. Só que, o pelo do próprio cão pode não ser suficiente e a performance poedeira das galinhas nem sempre é previsível.

Obviamente que o resultado depende tanto da natureza das estratégias como da competência de quem as executa. O balanço destes 4 anos é positivo, mas numa escala pequena e insuficiente para convencer uma parte do eleitorado. O PS apostando no crescimento induzido pelo consumo, com mais algum molho à mistura, assusta muita gente. Não é bem igual à política voluntariosa anticrise pré-troika, mas pode dar o mesmo resultado. Não conheço nenhum contexto semelhante ao nosso em que isso tenha sido feito com sucesso. Proferir um vade retro Satanás à “austeridade”, sem conseguir transmitir segurança quanto a como se vai reequilibrar a balança recorda, fatalmente, a experiência grega recente.

09 setembro 2015

Não é cedo para o discutir


As imagens dos refugiados (ou emigrantes) a recusarem a ajuda oferecia por causa da cruz vermelha nas caixas choca, sobretudo pela forma. A uns metros de distancia eles detetam a cruz e recusam-na de forma hostil. Não tentam sequer entender ou dialogar. A Cruz Vermelha não é uma organização confessional e não estava ali a entregar bíblias. A sua cruz é derivada da bandeira Suíça.

Como devemos lidar com estas posições de quem por cá chega de outros credos? Irão recusar frequentar uma escola ou entrar numa instituição pública que por uma razão histórica tenha uma cruz algures gravada no edifício? Iremos esconder tudo o que possa chocar, como na catedral de Santiago de Compostela, onde os mouros aos pés do apóstolo já foram encobertos com flores? Iremos proibir as referências à quadra natalícia em todos os serviços públicos e, por exemplo, acabar com as festas de Natal nas escolas? Irão as autarquias deixar de promover presépios e pinheiros de Natal e “esterilizar” as iluminações das ruas na quadra respetiva?

Não sou crente, mas acredito que as referências fundamentais culturais não devem ser apagadas, sejam elas quais forem. Os migrantes que chegam deveriam ler os livros de história do seu país de acolhimento e não os rejeitar altivamente, apenas por lá estar uma cruz. Devem saber o que é/foi o cristianismo para melhor entenderam onde estão. Seremos todos mais felizes assim. Devem-se inserir-se nos valores existentes onde, por exemplo, a violência doméstica não é um assunto estritamente doméstico. Não é cedo para falar disto porque o tarde corre o risco de ser tarde demais.

Nota adicional em 2015/09/10: De acordo com uma notícia que posteriormente me chegou (ver comentário) o motivo da recusa dos refugiados pode não estar relacionado com a cruz nas caixas. De todas as formas, acho que a questão da integração destas novas culturas, que tendem a marcar fortemente a sociedade em que se inserem, continua de atualidade. Esta introdução é que pode não servir…
A parte da catedral de Santiago não tem dúvidas. Vi, registei e comentei aqui

03 setembro 2015

Foto desfocada

Meio mundo ficou chocado com a imagem da criança síria que deu à costa numa praia da Turquia. Certamente Ayral merece a nossa compaixão e, ao mesmo tempo, ele evoca todas as outras crianças mortas afogadas no Mediterrâneo. No entanto, não devia o mundo ter ficado assim tão chocado. Há mais de um ano que na Síria milhares de Ayral são mortos pelos bombardeamentos, vêm os seus pais serem barbaramente assassinados, as suas mães violadas e as suas irmãs vendidas para escravas sexuais. Isto, nesta dimensão e duração, choca (deveria) muito mais do que um simples corpo, com todo o respeito pelo mesmo e pela sua família, que somos todos nós.

O que se passa na Síria não é consequência de um terramoto, marmoto ou outro fenómeno de origem natural. É uma guerra provocada por disputas territoriais entre as potências regionais. O abjeto “Estado Islâmico” não existe apenas por simples loucura de um bando de fanáticos. A zona que eles dominam é completamente insuficiente em quase tudo, inclusive em produção de equipamento militar. Como conseguem eles manter um exército operacional durante tanto tempo? Quem são os cúmplices desta abjeção? Pela lógica diria serem algumas dessas potências regionais…

Mesmo com toda a carga emotiva associada, o pequeno Ayral é uma questão menor. Não deveria monopolizar as primeiras páginas. Mais depressa elas deveriam ser ocupadas pelos milhares de Ayral que sofrem na Síria, lado a lado com as caras sorridentes dos negócios por aqueles lados fechados. Escrevo isto para reforçar que não me sinto culpado.

01 setembro 2015

Conforme o dia da semana

Na guerra de Raúl Solnado, havia um único avião, partilhado com o inimigo. Uns bombardeavam às segundas, quartas e sextas e os outros às terças, quintas e sábados. O Médio Oriente é um pouco semelhante, mas em drama, não em comédia. Por exemplo, o Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) uns dias é atacado pelos Ocidente e Monarquias do Golfo, pela ameaça que representa; nos outros dias, a coligação sunita liderada pela Arábia Saudita e com o apoio tácito dos ocidentais bombardeia os houthis xiitas, deixando o AQPA ocupar o terreno completamente desestruturado (libertado?) no Iémen. A Turquia ataca o chamado estado Islâmico (EI) uns dias e, noutros dias ou no mesmo dia até, bombardeia os curdos no Iraque, principais opositores ao EI no terreno…

Como consequência destes jogos há gente que morre e gente que foge. Vemo-los tentar chegar à Europa por centenas de milhares. Toda a gente é sensível aos dramas diários e muitas vozes se levantam pedindo mais solidariedade e acolhimento sem restrições, principalmente enquanto o fenómeno não afetar o seu quintal. Receio bem que essas posições sejam alteradas se virem nascer uma nova Addis-Abeba nas traseiras das suas casas.

A Europa tem uma capacidade limitada de receber refugiados tanto do ponto de vista económico, visível a curto prazo, como cultural, com efeitos a mais longo prazo. Se esta pressão não for limitada à escala tolerada pelas populações, a consequência será o agravamento da xenofobia.

Continuar a permitir/tolerar e a participar direta ou indiretamente em guerras às segundas, quartas e sextas e lamentar a sorte dos refugiados às terças, quintas e sábados é comédia de mau gosto!