30 março 2014

Uma espécie de peregrinação

Antes dos 20 anos eu praticava atletismo e corria 6 dias por semana. Como dizia em “Por um título”:

Aprendi a correr. Não o correr atabalhoado da fuga, não o correr acometido do predador. Apenas o simples correr sustentado do desacompanhado. Aquele em que cada passo é dado com o fim de haver sempre outro passo mais para dar. Em que o cansaço se agrava ao descontinuar e em que se recupera ao não parar.

Antes dos 20 não há mazelas, ou as que há duram pouco. Depois, com os anos, a recuperação dos excessos complica-se. Pelos 30 empenei uma virilha, passei a correr apenas na areia e nem sequer conseguia caminhar mais de 2 km sem ficar a ganir no dia seguinte. Passei a preferir a bicicleta e alguns anos depois acabei por curar essa mazela. No entanto, de cada vez que melhorava a forma e tentava ir mais longe, alguma coisa empenava. A última foi um joelho. E pronto, é assim, o tempo impõe os seus limites.

De há um ano e meio para cá, retomei a bicicleta e correu melhor. Da primeira vez que tentei simplesmente subir a encosta de Sta Luzia, precisei de parar 3 vezes para recuperar. Ontem fui a S. João de Arga lá no meio da Serra. Não é muito mas é algo. Mais importante do que ir e ter regressado (parte mais fácil) foi hoje ter feito de novo uns outros 45 km… e de ter de novo reencontrado o prazer de “o cansaço se cansar”.

Contra o fim do Mundo


A minha participação na coluna do Centro Cultural do Alto Minho publicada na "A Aurora do Lima", Viana do Castelo, cujo convite agradeço.

28 março 2014

UAUAUÉ ! UAUÉ !

UAUAUÉ ! UAUÉ ! UAUAUÉ ! UAUÉ !
Em minhas asas /Eu quero levar-te ao céu / E em mil nuvens / Dar-te tudo o que é meu
Eu quero ser / O teu cupido da paixão / Eu quero ser / A dona do teu coração
Eu xx, OH OH OH OH OH !/ Eu xx, OH OH OH OH OH ! /
Eu xx como o sol do seu brilhar /Eu xx como um rio é do seu mar
Eu xx, OH OH OH OH OH ! / Eu xx, OH OH OH OH OH ! /
Eu xx como o mel do teu beijar / Eu xx eu nasci para te amar
UAUAUÉ ! UAUÉ ! / UAUAUÉ ! UAUÉ !
Eu quero ser a luz / Que guia o teu caminho / Quero levar-te / Ao doce mundo do carinho
Quero banhar-me / No teu corpo de prazer / E saciar  /A minha sede de te ter
Eu xx, OH OH OH OH OH ! / Eu xx, OH OH OH OH OH ! /
Eu xx como o sol do seu brilhar / Eu xx como um rio é do seu mar
Eu xx, OH OH OH OH OH ! / Eu xx, OH OH OH OH OH !
Eu xx como o mel do teu beijar / Eu xx eu nasci para te amar
UAUAUÉ ! UAUÉ ! / UAUAUÉ ! UAUÉ !
Eu xx, oh , tua ! / Eu xx, OH OH OH OH OH !
Eu xx, OH OH OH OH OH !
Eu xx como o sol do seu brilhar / Eu xx como um rio é do seu mar
Eu xx, OH OH OH OH OH ! / Eu xx, OH OH OH OH OH !
Eu xx como o mel do teu beijar / Eu xx eu nasci ...../ Para te amar !

O texto acima é a letra da nossa concorrente ao festival da eurovisão deste ano, retirada do site oficial do concurso. Apenas substitui o “quero ser tua” por xx. Deu 25 ocorrências, o que significa que de 6,5 em 6,5 segundos ela diz que quer ser dele. Tem ideias fixas! Acho que ninguém esperava uma outra “Estrela da Tarde” mas também nem tão baixo… é que se há aqui alguma coisa alta, serão as pernas da menina…

27 março 2014

Deuses na sombra

Há alguns dias assisti a uma sessão de apresentação do livro de Valter Hugo Mãe, “Desumanização”, que não li, e que tem por cenário a Islândia. Uma boa parte do tempo foi dedicado a falar da Islândia em si, das suas especificidades e idiossincrasias. Naturalmente que um país, que é uma ilha, encostada ao círculo polar Árctico e com um inverno em que há 20 horas de sol… por mês, há-de ter muitas especificidades.

Acreditar que debaixo das pedras vivem uns elfos que se devem respeitar, pode ser positivo em termos atitude de protecção do ambiente, mas não deixa de ser viver uma espécie de narrativa fantástica colectiva. Quando uma vez me perguntaram na Bélgica se em Portugal não havia histórias de anõezinhos a viver nas florestas eu respondi: O meu país tem muito sol e a sua luz não deixa espaço para essas fantasias; essas coisas só existem em países sem luz, condenados ao nevoeiro! E também recordo que quando vivi na Bélgica, o que me fazia mais falta era, efectivamente, a luz.

É a noite quem cria os fantasmas, assim como são as limitações que abrem os horizontes do sonho e da imaginação. Talvez seja natural que num país tão fechado como a Islândia seja criado um colorido com o que não se vê. Sob um sol mediterrânico intenso e impiedoso, uma pedra será apenas uma pedra, como diria Caeiro, e a beleza de um céu brilhante reverberando as oliveiras, não dá espaço nem necessidade de se imaginar algo mais escondido debaixo da terra ou entre a sombra das árvores.

No penedo da Lapa, o meu santuário no Alto Douro, a visão é inspiradora e a inspiração e espiritualidade são buscadas olhando do alto para os horizontes abertos e rasgados. Nem de perto nem de longe se pensa nas entranhas de onde sai o majestoso maciço granítico. Não consigo imaginar nenhuma mística num poço, nem sequer no da Quinta da Regaleira. O país está repleto de capelinhas nos mirantes, e tantas delas, senão todas, herdeiras de alguma outra veneração mais antiga. Aliás, o meu penedo tem num cantinho uma covinha escavada com um rasgo para gotejar que me cheira a coisa bem pagã.

Não faz sentido discutir prós e contras de cada um dos cenários, nem é minimamente justo sequer tentar aplicar uma escala de valores a um contexto destes. Aliás, de fantástico colectivo todas as sociedades têm algo, só que à nossa chamamos-lhe “fé”. Parece-me claro que nunca uma terra do sol poder ser idêntica a uma terra do gelo. Por muito que o ambiente artificialmente criado aqueça, arrefeça ou ilumine, a luz materna molda-nos para o bem e para o mal. Tentemos aproveitar a parte do bem.

24 março 2014

A ressaca da democracia

O resultado das eleições autárquicas em França e o crescimento espectacular da extrema-direita assusta muita gente. Não tenho nenhuma simpatia pelas ideias da FN (Frente Nacional) mas não podemos deixar de respeitar a opção democrática do eleitorado. De recordar que já nas presidenciais de 2002 Jean Marie le Pen chegou a disputar a segunda volta, para grande surpresa e escândalo. E se é certo que a FN de hoje é diferente da de há 12 anos, o problema de fundo é igual, ou pior.

O simplesmente lamentar este resultado, com cara de enjoo, recordando que os “valores” do FN não se identificam com os da democracia, deixa algo por dizer. É que os “valores” dos partidos tradicionais “valem” apenas na teoria. Na prática os negócios e negociatas e a falta de ética dos seus políticos estão muito longe do que seria expectável e minimamente aceitável.

Quando no final da década de 90 a extrema-direita racista e xenófoba crescia na Bélgica, os partidos “sérios”, para a impediram de aceder ao poder, criaram uma grande coligação a que chamaram “cordão sanitário” e o mesmo deverá ser tentado agora na segunda volta destas eleições m França. O problema é que isso vale pouco se não estiver limpo o interior do dito cordão.

Tenho sérias dúvidas se, a prazo e após a experiência do poder, a prática da FN será diferente da dos outros, mas este fenómeno do eleitorado recusar os partidos tradicionais e embarcar em experiências mais ou menos radicais, como a do palhaço italiano, é um caminho muito perigoso e com uma ressaca imprevisível.

21 março 2014

Restruturação (ir)responsável?

“Há que encontrar outros caminhos que nos permitam progredir. Esses caminhos passam pela desejável reestruturação responsável da dívida através de processos inseridos no quadro institucional europeu de conjugação entre solidariedade e responsabilidade”.

É este o tom genérico, pomposo e quase professoral do famoso manifesto dos 70 (ou 74) notáveis. Eu não sou notável mas pude constatar há bastante tempo que a dimensão da nossa dívida versus as taxas de juro associadas configuram uma situação insustentável. Não entendo é o porquê desta mobilização agora. Quando a negociação com a troika ainda estava em aberto, nomeadamente o valor da taxa de juro do empréstimo, porque é que estes notáveis e demais responsáveis não lutaram com unhas e dentes por uma taxa mais razoável?

Se é certo que apesar de toda a boa vontade dos discursos oficiais optimistas há sérias dúvidas sobre o conseguirmos sair deste buraco sozinhos, este manifesto tem alguns problemas, para lá da estranha oportunidade. Considerações com paralelos com a Grécia é alinharmos por uma referência muito baixa, diria mesmo vergonhosamente baixa. Comparação com a Alemanha no final de uma guerra… não tem comentários. Mais importante, o manifesto/dissertação ignora completamente a nossa responsabilidade no crescimento da dívida. Trata a dívida como uma fatalidade, um acidente que sofremos e para o qual precisamos de ajuda.

Se é certo que precisamos e precisaremos de ajuda, a responsabilidade primeira no processo é nossa. Identificando a origem do problema, as acções necessárias para não se repetir e estabelecendo um compromisso abrangente e responsável para o futuro. Não vale a pena apelarmos a um “quadro institucional europeu de conjugação entre solidariedade e responsabilidade” enquanto o nosso trabalho de casa não estiver feito. Os notáveis e demais responsáveis estarão interessados nisso
?

19 março 2014

Podemos não gostar deles

Podemos não gostar da língua deles e até associá-los ainda aos horrores do nazismo. Podemos acusá-los de estarem a gerir egoisticamente o Euro, atendendo exclusivamente aos seus interesses e ignorando os do conjunto de todos os países. Podemos ter muitos motivos para não gostar da Alemanha.

Agora, há uma notícia muito recente que evidencia que eles são diferentes de nós noutras coisas também. O muito popular e poderoso presidente do principal clube de futebol do país, o Bayern de Munique, foi condenado a 3 anos e meio de prisão efectiva por evasão fiscal. Num julgamento de 4 (quatro) dias. Ajudou naturalmente a colaboração do próprio, que sabia que se não fosse assim o resultado seria muito pior. No final decidiu ainda não recorrer e aceitar a sentença.

Do lado de cá, e quase em simultâneo, vimos a condenação de Jardim Gonçalves ser anulada, mas é apenas um exemplo. Não me chegam os dedos das duas mãos para contar os enormes e escandalosos “não casos” acabados em nada. Por cá criminoso é apenas aquele que é apanhado em flagrante delito e não consegue destruir a legalidade das provas ou atingir a prescrição. Na Alemanha este senhor importante resolveu contar tudo, ou por puro princípio ou por estar convencido que não iria escapar da justiça. Quando uma figura notável e poderosa em Portugal seguir o mesmo caminho, estaremos todos de parabéns.

São estes e outras diferenças que fazem a prosperidade de um país e não é chamando-lhes nomes feios que vamos resolver os nossos problemas e evoluir.

17 março 2014

Paradoxo !



Serra de St Luzia, 16/03/2014.

E ando eu a evitar ir pedalar para o meio do monte por estar tudo encharcado e enlameado!?

14 março 2014

A última vítima do 11 de Março

Um amigo espanhol mais de esquerdas do que de direitas chamava ao jornal “El Mundo” o “Imundo”, tal era a falta de isenção e arrogância quando se tratava de defender a outra Espanha, a conservadora. Ao ler agora algumas notícias e análises evocativas dos 10 anos dos atentados de Madrid de 11 de Março, descobri algo pior do que imaginava.

Os atentados ocorreram 3 dias antes das eleições legislativas e ao PP no poder dava jeito que tivesse sido a ETA. Afirma o juiz Baltasar Garzon que La Moncloa (sede do governo) deu instruções para ser afirmado que a organização basca era a autora dos atentados. Numa altura em que ainda não se tinham contado as vítimas e em que a própria polícia não encontrava a assinatura da ETA nos indícios, já Aznar sabia e decretava quem era responsável.

A teoria da ETA não pegou e em grande parte devido a essa atitude vergonhosa o PP perdeu as eleições. Foi um choque brutal para o seu orgulho. Rodolfo Ruiz era comissário da polícia em Vallecas, um dos locais em que explodiram as bombas. Entre o material recolhido pela sua equipa estava uma mochila com uma bomba por explodir, cuja investigação foi determinante para chegar aos autores dos atentados e definitivamente excluir a ETA. Para o PP esta mochila foi fatal e melhor seria ela não ter aparecido… e… se tivesse sido uma manipulação? É uma mochila maldita e todas as suspeições e insinuações são possíveis e permitidas sobre o comportamento do polícia responsável pela sua existência.

Uns anos mais tarde, o mesmo polícia interpela dois militantes do PP que numa manifestação de direita tentam (aparentemente) agredir um ministro socialista. Não faltou mais nada para ser declarado inimigo mor do PP. É julgado por essa interpelação, é condenado e posteriormente absolvido pelo Supremo. Em paralelo é vítima de uma campanha violentíssima de insultos e difamação por parte do “Imundo” e da hierarquia religiosa, chegando a ser até acusado de ter colaborado com os terroristas.

Ele quebra psicologicamente e a mulher assume a defesa da honra e da imagem do marido e da família. É uma luta perdida. Os “conspiranóicos”, como ficaram conhecidos pelo outro lado, não têm nada a corrigir nem a desculpar. Ela fica arrasada também e acaba por se suicidar. Foi mais uma vítima do 11-M e, sobretudo, duma certa Espanha arrogante, facciosa e sem valores. Não é toda assim, evidentemente, mas penso que em poucos países do mundo civilizado isto poderia, a estes níveis, ter chegado a este ponto.

11 março 2014

O homem das botas

O que está a acontecer na Ucrânia é complexo e não é fácil saber e comentar o que se passa nas suas ruas e praças a muitos milhares de quilómetros de distância. Agora, a visão e a acção da Rússia sobre o tema é manifesta e tristemente clara. Se quem habita a Crimeia não se identifica com o novo regime de Kiev e se quer autonomizar, tem o mesmo direito a questioná-lo como a Catalunha ou a Escócia e isso aconteceria naturalmente no seu tempo depois de a poeira assentar. Não seria necessário ir a correr tratar do assunto e muito menos com botas militares nas ruas e praças. O argumento de que a intervenção militar potencial ou camuflada se justifica pela necessidade de proteger os seus é tristemente comum a outras histórias trágicas e, como nesses casos, pateticamente falsa. Aliás, nessa perspectiva, as autoridades russas deveriam estar muito preocupadas com aquelas botas anónimas que por lá andam e que supostamente “ninguém” sabe a quem reportam e quem os comanda. Isso sim, parece-me muito perigoso!

Diz-se que há uma parte da Ucrânia que se quer aproximar da Rússia e outra parte da Europa. Não sei se é bem assim. Que exista uma parte que se queira afastar da Rússia e das suas botas parece-me muito plausível e extremamente compreensível.

06 março 2014

Necessidade básica

O acesso à internet tornou-se um serviço básico. Muito para lá da utilização social, é uma fonte de acesso a informação e, cada vez mais, suporte de ligação entre os cidadãos e diversos serviços e entidades. Não ter internet é algo de muito limitativo, fonte de exclusão e, no mínimo, de enorme perda de tempo.

Fará sentido que um pacote básico, que por norma obriga a incluir televisão e telefone fixo, fique sempre próximo dos 40 Eur/mês? Que possa ser de 25 Eur mas apenas em locais onde um outro operador consegue criar concorrência? E estará correcto que apareçam em letras gordas as condições para os primeiros 6 meses quando os contractos incluem uma fidelização de 24 meses? E se os operadores instalados podem fazer um preço de 25 Eur, mas apenas para evitar que o cliente fuja, que se pode concluir? Esses 25 Eur são sustentáveis para o serviço em causa ou estão abaixo do custo? Em ambos os casos há algo a investigar e a corrigir.

40 Eur são quase 10% do salário mínimo nacional! É demasiado e injustificado. O serviço em causa devia ser objecto de algum controlo e regulação e não ficar assim à mercê destas tácticas comerciais que quando se trata de capturar clientes são mais voláteis do que preço de cobertor em feira para se tornam impiedosas e inflexíveis depois de a presa estar “fidelizada”.

01 março 2014

Uma saída suja

Muito se tem filosofado e especulado sobre o cenário pós-troika, entre a saída limpa e o programa cautelar. No entanto, isso não é o mais importante. O fundamental é reconhecermos que continuarão a ser necessários cortes e dever-se-ia discutir, isso sim, quais a manter e quais a rever. A menos que o fim da tutela da troika seja, na visão de alguns, uma licença para gastar e depois logo se verá.

Saída limpa significa ficarmos sem tutela e dependentes dos tais malvados “mercados” que nos podem emprestar ou não e com condições que dependerão dos seus humores e da sua perspectiva sobre o país. Com um programa cautelar teríamos a manutenção de algum tipo de tutela e ao mesmo tempo alguma protecção contra os malditos capitalistas. No meu ponto de vista, o balanço entre um e outro cenário depende da qualidade de quem nos governa e da sua capacidade de inspirar confiança, fazendo o necessário e o justo.

Neste contexto há duas notícias recentes pouco abonatórias. Uma é mais um episódio do caso dos submarinos, a caminho da submersão judicial final do problema, com as satisfações visíveis nas caras onde deveria estar vergonha. A outra é o recente ressuscitar de Miguel Relvas para o topo do aparelho do PSD. Por tudo o que foi e o que é esta figura, dispensando comentários detalhados, Passos Coelho está a escolher um caminho com muitas nódoas
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