29 abril 2013

Singularidades de um país à beira-mar

Depois da famosa deliberação do Tribunal Constitucional a propósito da igualdade do tratamento fiscal a todos os portugueses, leio que o governo pensa em voltar a colocar gratuitas as viagens para os familiares dos empregados das empresas de transporte. É preciso pôr já o TC em campo: filhos dos professores isentos de propinas, os dos funcionários judiciais das custas dos tribunais, os do Ministério da Saúde das taxas moderadoras e sei lá onde isto pode acabar…!

Depois ouço falar em os pensionistas pagarem uma taxa social única. Ora bem, eu achava que a TSU era basicamente uma contribuição directa e indirecta da população activa para, entre outros, a sua aposentação. Qual a lógica de um aposentado pagar TSU? Desconta-se uma parte da pensão, sobre a qual até pode pagar IRS, para ajudar a pagar a dita cuja? E, a seguir, irão os desempregados contribuir para o fundo de desemprego!? Eu sei que já não se pode aumentar mais nominalmente os impostos e é necessário ser criativo, mas cuidado com as invenções. Já agora, e para evitar estas confusões, sugiro que se distinga claramente entre os dois grupos seguintes: o pensionista real que contribuiu para a Segurança Social de forma consistente ao longo da sua vida activa e o outro, chamemos-lhe rendeiro, que apenas por ter exercido um ou dois mandatos aqui ou acolá, tem uma retribuição desproporcionada com a contribuição e a que actualmente se chama também pensão.

Os contratos de futuros iniciais (swaps) entre pares como produtor/transformador ou exportador/importador são uma excelente ferramenta de limitação de riscos em ambiente volátil. Quando são de especulação simples, sem cobertura real mútua, aí fica a ganhar quem é mais vivo/tem mais sorte, parecendo-se mais com um jogo de azar do que com um instrumento económico. A história recente tem vários casos de prejuízos colossais criados por gente que se achava mais esperta do que os demais e que falharam. Todos eles tinham uma motivação clara: gerar lucros para si ou para o seu empregador. Mas, os gestores públicos que assinaram estes contratos o que tinham na cabeça, que motivação, que justificação para correr tamanho risco? Se fosse para um empréstimo pessoal, para a sua casa por exemplo, embarcariam assim sem analisar os cenários possíveis e sem detectar a catástrofe potencial? E como é possível que num contexto de dinheiros públicos com regulamentos rígidos, Tribunais de Contas sempre em cima, um qualquer gestor possa assumir compromissos desta natureza e desta escala com esta facilidade! E não digam que a culpa é da Sra Merkel e da troika.

25 abril 2013

Mais um ..

Por ter ido ouvir uma actuação musical acabei por, sem querer, assistir a umas comemorações do 25 de Abril. E é algo triste. Triste não pela tristeza dos tempos em que vivemos em si, triste pela evocação da causa-efeito entre o “não” 25 de Abril e a situação a que chegamos. A data da revolução é uma data querida para mim e não gosto de a ver apropriada desta forma porque aqueles que clamam por outro Otelo. Para já não falar dos que vão mais atrás ao Regicídio de 1908 e dos que continuam a achar que se não tivesse havido 25 de Novembro é que estaríamos bem.

Se todos os problemas da situação em que estamos fossem devidos apenas à malvada direita teríamos apenas metade deles! Onde estamos e como estamos é consequência de uma falha com origem em muitas latitudes. É abusivamente simplista e pouco sério suspirar, ou gritar, por outro Abril.

Depois, é uma falácia insistir na tecla da distribuição da riqueza como se fossemos simples recolectores. O nosso problema principal é pouca criação de riqueza que não se cria sozinha. Recorrendo à tal linguagem, para isso são necessários trabalhadores, de todos os tipos, e também investidores e capital. Com seriedade e respeito. Se há algo que quero pedir neste Abril é isso mesmo: seriedade e respeito.

16 abril 2013

ENVC – Desenvolvimento ou definhamento ?


Vêem-se em Viana do Castelo uns cartazes anunciando que os Estaleiros Navais da cidade estão no coração do desenvolvimento da região, apelando ao interesse e à necessidade de manter a situação actual da empresa e à defesa dos respectivos postos de trabalho. Para lá dessa frase e pesquisando o que tem sido notícia sobre o assunto, o que vemos? Houve um grande navio de transporte misto encomendado pelo governo autónomo dos Açores (foto acima) que foi rejeitado por supostamente não cumprir o caderno de encargos da encomenda. Não vi em nenhum sítio nem esclarecimento nem responsabilização sobre o sucedido: O caderno de encargos era claro? De quem foi a responsabilidade da concepção e da suposta falha? Como foi, ou não foi, verificada a tal não conformidade? Nada! Ficou tudo em “águas de bacalhau”, como se se tratasse duma simples fornada de pão que saiu mal e que o cliente não quis.

Depois, recordo-me de a empresa Douro Azul não ter conseguido concretizar uma encomenda, supostamente por falta de resposta dos gestores dos estaleiros. Vimos ainda o encarregado da venda da empresa afirmar publicamente que aquilo valia pouco, assumindo o discurso habitual do comprador que é desdenhar o que quer comprar. Temos entretanto centenas de pessoas desocupadas há umas dúzias de meses e a serem pagas não pelo que produzem mas por um desesperado Orçamento de Estado que não sabe mais onde cortar e magoar. Tudo isto é de uma irresponsabilidade desesperante e de uma inépcia confrangedora.

Não sei se a solução para os estaleiros é uma privatização bem contratada com responsabilidades claras de investimento e de modernização que garantam a viabilidade da empresa, mas uma coisa é certa: a situação actual é insustentável e cada ano que passa, mais desvaloriza os activos e muito especialmente o capital humano que a inactividade degrada. Clamar pela defesa dos postos de trabalho é importante mas não pode ser ponto de partida e de chegada sem mais. A situação actual está efectivamente na base sim, mas do definhamento da região e do país!

08 abril 2013

Mal amados

Dentro da minha tradição de não referir efemérides exceptuado as excepções, descobri recentemente que este ano se cumprem 100 anos sobre o nascimento do grande Albert Camus, de quem já falei aqui várias vezes… E no artigo que li referiam o seu enquadramento com a sua terra natal, Argélia, e da forma como ele é pouco reconhecido pelos valores oficiais dos seus compatriotas. Esclarecido, ele tentou dar o seu contributo ao processo de independência mas afastou-se impotente face a um rumo que estava a ser seguido, segundo ele errado. Criticou o colonialismo e denunciou a pobreza em que vivia uma grande parte da população, mas a solução para ele não passaria por uma autonomia com exclusão dos europeus. Achava que se podia viver e partilhar o país sem o maniqueísmo em vigor e não lho perdoaram.

E daqui lembrei-me de uma outra grande figura humana, para a qual tanto quanto sei não está nenhuma efeméride em curso, e que também foi mal amado pelos seus: Jacques Brel. Na pequena Bélgica, o grande Brel achava que se podia ser flamengo de alma e coração exprimindo-se em língua francesa. Os pequenos flamenguitos não o entenderam e também não lhe perdoaram tamanha heresia.

Com um mundo de distância entre os dois, ou talvez não, dois mal-amados e pelas mesmas razões profundas: por não venderam a alma, por não alinharem em coros superficiais, por não aligeirarem o valor das convicções, por terem e manterem um espírito livre. Bem hajam!

06 abril 2013

Igualdade ou justiça?

A recente deliberação do Tribunal Constitucional sobre o Orçamento de Estado faz-me reflectir sobre o seguinte. A fiscalidade não é, nem deve ser, “igualitária”. Se assim fosse, e só como exemplo, a taxa de IRS deveria ser uma percentagem igual para todos os cidadãos desde o administrador do banco até ao porteiro. E não o é porque se entende que há um princípio de justiça que prevalece: quem ganha mais tem uma taxa mais elevada. Se o critério fosse o tamanho do nariz, aí seria naturalmente outra história. No caso concreto deste OE, será justo que os funcionários públicos tenham um tratamento fiscal diferente do dos restantes cidadãos? Hoje os funcionários públicos têm um estatuto muito diferente dos restantes trabalhadores na lei, e na prática, em termos de segurança de emprego, garantia recebimento no fim do mês, etc. Se é uma diferença suficiente para justificar um tratamento fiscal diferente, isso é que seria, na minha opinião, o ponto fundamental a avaliar pelo TC.

Se foi entendido que o Estado não pode tratar fiscalmente os seus trabalhadores de forma diferente dos outros, isso tem como significado imediato que como empregador os deverá tratar da mesma forma como os restantes empregadores e, quando necessário, fazendo os necessários cortes de pessoal, retribuições ou regalias sem a ladainha dos famosos e sagrados direitos adquiridos.

Quando à compensação para estes valores que a decisão do TC retira do OE, lembrei-me do seguinte. Segunda as minhas contas recuperar apenas 20% do buraco criado pelo BPN é mais ou menos equivalente ao montante em causa. Apenas 20%, senhores!!! Como é possível que se ande a sacar de tantas formas e feitios a quem tanto precisa como pensionistas e até doentes e se esqueça este assunto como se fosse apenas uma simples fatalidade passada e arrumada?


PS: Post actualizado em 8/4/2013

04 abril 2013

Nem tudo é mau

Finalmente Miguel Relvas sai do governo. Não é mau, mais vale tarde do que nunca, mas enfim. São uns largos meses de atraso. Será que vai ser substituído por Jorge Silva Carvalho? Irá estudar filosofia para Paris? Não, penso que preferirá ir aprender canto para Milão… ou se calhar para o Redondo!

A maior parte dos condenados do processo Casa Pia entraram na cadeia, voluntariamente. Não é mau, mas presumo que esta boa vontade de se entregaram é capaz de render uns meses menos de prisão efectiva…

E o Isaltino, coitadinho, teve que pedir empréstimo ao banco para pagar os advogados… que banco mais um generoso! Emprestar a um empresário para investir é um cabo dos trabalhos, para um condenado recorrer e recorrer há crédito…. Olha-me para este!!!

01 abril 2013

Euro, Escudo e Brigantino

Aquilo que era impensável, tabu e até fora de discussão sequer, um país da zona euro abandonar a moeda única, começa a ser falado e repetido com insistência para vários membros, incluindo para o nosso país. Quanto à viabilidade teórica do processo em si, nada a apontar. Não há nenhuma razão transcendental para ser irreversível. No entanto, na contextualização habitualmente apresentada para a questão, está a ser-se demasiado simplista quanto ao seu verdadeiro significado. Suponhamos que Portugal sai do Euro porque a divisa está a ser gerida de forma pouco adequada à nossa especificidade económica. Se isto é assim tão inócuo e desdramatizado, deveremos também aceitar que um dia mais tarde Bragança queira sair do escudo e adoptar um brigantino porque a política definida para o escudo por Lisboa, não é aquela que melhor se adequa ao seu contexto? Claro que não. Lisboa tem obrigação de seguir uma política que concilie os interesses de todo o país. Assumir que o Euro não está a ser gerido por Bruxelas (ou Berlim) de uma forma equilibrada para toda a zona Euro, é desresponsabilizar esses decisores do dever de olhar para o todo e não apenas para o seu interesse individual e, como consequência, assumir que o projecto Europeu acabou. Iniciar um caminho que termina com um brigantino em cada cantinho (e desculpem-me os verdadeiros brigantinos por esta utilização da palavra) é ficarmos todos a perder.