26 agosto 2012

Não importa se são ou não arte


Os graffiti são certamente uma forma de expressão. Se artística ou não será discutível, sobretudo nalguns casos, mas isso não altera em nada o facto de serem aceitáveis ou não. Não o são. Ninguém tem o direito de intervir no que não é seu. Não posso ir a casa do meu vizinho arrancar-lhe as roseiras e plantar lá batatas, só porque a minha forma de expressão é semear batatais em todo o lado.

Tenho alguma curiosidade em saber qual seria a reacção daqueles que contemporizam, toleram e até conseguem justificar os graffiti se um dia vissem o seu automóvel decorado com uns profusos tags, vidros incluídos. Será que considerariam que o seu carro faria parte de uma nova estética urbana e até se sentiriam uns privilegiados por passarem a deslocar-me num objecto artístico, diferente de todos os outros automóveis banais; ou será que soltariam uma meia dúzia de palavrões seguidos de “isto não pode ser!!!”

24 agosto 2012

A renegociação das PPP’s

Todos temos presente a galeria de horrores que foi a revelação dos detalhes das negociações das PPP’s rodoviárias, das revisões dessas negociações e das conclusões arrasadores do próprio Tribunal de Contas. O interesse da Nação e o menor sentido de justiça obrigava a fazer algum tipo de revisão. Nestes últimos dias temos visto algumas notícias sobre o resultado dessa revisão que o governo está a fazer, apresentando muitos milhões recuperados para o Estado! Eu, respeitosamente, gostaria de pedir a quem divulga esses elementos que fossem um pouco mais generosos na informação transmitida e que não a resumissem a um número, por mais impressionante que esse número possa parecer. Especificando, nomeadamente, em que horizonte temporal se concretiza a redução, que valor percentual do contrato representa e qual é a natureza. Se se trata da eliminação de condições contratuais abusivas, se é uma redução de volume de trabalhos, ou outra coisa qualquer. Se é redução do volume de trabalhos como foi valorizada – não é a história do presunto e do porco, pois não?

Isto é importante porque uma coisa é certa, os parceiros privados não estão aí para facilmente abrirem mão de uns milhões sem contrapartidas, apenas para dar uns títulos de notícias simpáticos ao povo. Recordo, por exemplo, o caso das portagens de Agosto com a Lusoponte em que foram necessários largos meses para repor uma situação tão óbvia. Por isso, insisto: expliquem melhor o que são esses milhões “recuperados”, pode ser?

21 agosto 2012

Nem tudo é mau


Comecemos pelo mau. A atleta acima à esquerda, Habiba Ghribi, é Tunisina e foi a primeira mulher do país a ganhar uma medalha olímpica, neste caso a prata nos 3000m obstáculos. Grande polémica no país, nomeadamente por mostrar o umbigo. Acho muito bem que protestem, que o digam e que o assumam para se ficar a saber quem são e o que são. Na Tunísia livre e democrática está a ser preparada uma nova constituição que dá à mulher um estatuto de “complementaridade” face ao homem. O ditador Bourguiga deve andar às voltas no túmulo. No mesmo país umas “brigadas” salafistas resolveram ser polícias, e violentos, dos ataques ao sagrado, perante alguma moleza das autoridades. Atacar e destruir obras de arte de uma exposição “moderna”, como aconteceu em Cartago em Junho passado, em que algumas tinham algum carácter provocador, é muito condenável mas mais ou menos previsível. Mais recentemente impediram a actuação de um grupo musical iraniano, por considerarem um “atentado ao sagrado” eles serem muçulmanos…. mas chiitas !! Fica claro quem está a alimentar este fogo.

Passemos ao bom. No norte do Mali controlado por islamitas, onde um casal foi morto por apedrejamento por terem filhos sem estarem casados, estava previsto o decepar em público a mão de um ladrão. Não aconteceu porque a população se mobilizou e o impediu. Podem tê-la cortado em privado mas o facto de a execução pública da sentença ter sido anulada é fantástico de significado. Em cima à esquerda está Rita Jahanforuz, provavelmente a cantora israelita actualmente mais popular e que … nasceu no Irão. No seu trabalho não renega as raízes e inclusive canta versões de temas tradicionais persas, como este. É adorada pelas pessoas dos dois países que se odeiam.

18 agosto 2012

Escrita em sicronização lenta

Na sequência da publicação anterior, lembrei-me de um belo texto de uma grande autor: “Ne me quittes pas” de Jacques Brel. Para lá da beleza, delicadeza, emoção e força tremendas, que fazem a obra de Brel uma espécie de património cultural da humanidade, pode-se discutir se faz sentido um homem (ou uma mulher) reduzir-se assim por amor, para não perder um amor, a ser uma sombra da sombra, sombra da mão, sombra do cão. Mas essa leitura na qual há um interlocutor concreto, de quem só falta referir o nome próprio, é a simples e imediata, a da fase do flash.

Se deixarmos o obturador aberto um pouco mais, pode-se ver outra coisa, na minha opinião. Jacques Brel pode não estar a falar a um amor mas sim ao amor. A quem ele pede para não o abandonar não será uma Mathilde, Marieke ou Isabelle concretas. Pode estar a referir-se à capacidade de se emocionar, de se apaixonar, de se recriar e de, amanhã, encontrar uma Mathilde, Marieke ou Isabelle. De umas entrevistas suas que vi, com a visão dele sobre o amor e amantes, não me parece nada improvável que isso estivesse presente quando o escreveu. Como leitor tenho toda a liberdade de o ler desta forma e é também isso que distingue as boas histórias dos relatos. E, sendo assim, aceita-se melhor aquela história de fazer tudo, mesmo tudo, até passar a ser sombra da sombra, não será?

15 agosto 2012

A dinâmica da escrita



Complemento:

Não, o trocadilho dos livros e dinâmica não fica por aquela imagem. Antes de mais, ela foi feita com flash em sincronização lenta, o que quer dizer durante o tempo de exposição há um momento em que o flash dispara, apanhado o que está ali ao seu alcance, e depois mais um tempinho em que se regista algo mais, já sem flash. A aplicação típica é fotografar algo em primeiro plano pouco iluminado e juntar um fundo. Neste caso aqui, desloquei propositadamente a câmara após o flash disparar e, portanto, há uma imagem mais ou menos clara da fase flash e um correr difuso da segunda fase.

O que tem isto a ver com escrita? Muito. O bem contar uma história tem a parte factual, com iluminação franca e directa e depois o que se descobre e se advinha subtilmente….

14 agosto 2012

69º lugar

Foi esta a posição final de Portugal no ranking das medalhas das Olimpíadas de 2012 (e por pouco, uma remada mal dada, teríamos era ficado a seco, em último). Por comparação, no recente mundial de futebol chegamos às meias-finais e no ranking da Fifa estamos em 5º lugar. Efectivamente há aqui uma grande diferença entre “futebol” e a restante paisagem desportiva. Não será simples acaso e quem de direito deverá tirar as relativas conclusões e, se possível, tomar a necessárias acções. Não me parece que esteja em causa o esforço, e sacrifícios, que muitíssimos atletas terão aplicado na preparação como também não me parece que seja uma questão de falta de apoios directos a estes atletas… a raiz do problema está mais funda.

Depois, para que servem estes jogos? Sinceramente parece-me festa e promoção a mais e espírito desportivo a menos. A começar e a acabar nos espectáculos de abertura e encerramento, o Reino Unido organizou os jogos para se promover descaradamente, sendo o desporto um simples veículo e embrulho. Aqueles espectáculos podiam ter servido para qualquer actividade…

E, ainda, se é fantástico o que o corpo humano pode realizar, e a foto acima da atleta que ganhou o ouro no salto em altura feminino diz tudo, quantos não haverá em que a dedicação mais que exclusiva e até a própria formação/deformação do corpo condicionam negativamente a vida para lá dos jogos? Sinceramente, não me parece que o espírito esteja certo.

PS: O golfe vai passar a ser desporto olímpico e o hóquei em patins não …!

11 agosto 2012

A Europa afoga-se e… ?

Por motivos vários, que não é viável aqui enumerar, a Europa está a empobrecer. Como se o nível da água estivesse a subir ou o chão a afundar-se. Os mais baixos são os primeiros a serem atingidos, mas se nada mudar os que estão mais acima irão ter o mesmo problema, é uma questão de tempo.

Qual a reacção nesta Europa? Os mais baixos (pobres) querem pôr-se às cavalitas dos mais altos (ricos). Estes acham que o problema não é com eles e recusam-se a trazer carga adicional aos ombros. Todos têm razão, no curto prazo … e todos falham. Pôr meia Europa nas costas da Alemanha não resolve nada, mesmo que estes o aceitassem, e também não podemos condená-los assim com tanta veemência por o recusarem.

A resolução do problema passa por entender a razão de fundo da inundação e ajustar a criação de riqueza e a posição da Europa no mundo. Não será fácil, mas se os actores não entendem o contexto muito mais difícil será definir e implementar com sucesso uma solução. Esta gritaria actual de andarem os pequenitos a pedir colo aos grandes e estes a responderam que cresçam e apareçam e, enquanto isso, o nível da água não pára de subir, é suicídio colectivo.

10 agosto 2012

As "Bonds"

Não, não são as “girls” do James… Já toda a gente deve ter ouvido falar de Eurobonds e quem gosta de fugir aos palavrões chama-lhes “mutualização da dívida”. O princípio é, em vez de cada qual pedir o que precisa e ficar responsável por isso, põe-se tudo num bolo comum e a responsabilidade é de todos. Logicamente, este misturar das coisas só interessa quando há desequilíbrios e é pedido pela parte que fica beneficiada, é lógico…

Como é óbvio nem toda a gente está disposta a ser fiadora de dívida alheia. Aqui a nossa vizinha Espanha quer Eurobonds e os alemães, mauzinhos, dizem que não vão nessa cantiga do “eu recebo e nós ficamos responsáveis”. Se precisam de fundos e não conseguem, peçam um “programa de ajuda” em que ficam aí de trela curta. O curioso é que dentro da própria Espanha há algo de análogo. As comunidades autónomas estão desesperadas sem crédito e pedem “Espanobonds”. E o governo central que é apologista da mutualização da dívida europeia e se “recusa” a ser resgatado responde: “Peçam resgate!” Poderá ser lógico no interesse, mas não é coerente no princípio… e depois os mauzinhos são os alemães e a Sra Bruxa Merkel.

09 agosto 2012

Um convite...

Sim, pois, eu não gosto de andar atrás das efemérides, eu sei. Por isso não devia estar aqui a referir Hermann Hess que faleceu faz hoje 50 anos – ainda por cima, é a morte !

A homenagem já está para aí atrás, é só procurar pela etiqueta do autor. Esta está actualizada.

Fica portanto o convite: comecem pelo “Siddharta” como aperitivo, passem para o “Lobo das Estepes” para ganhar lanço e terminem no “Jogo das Contas de Vidro”, uma das coisas mais impressionantes que já li. Depois, se calhar, fica vontade de ler mais, mas essa parte será opcional.

08 agosto 2012

Qual canal... ?!

O anúncio da decisão do governo de privatizar a RTP2 soou-me a erro de digitação. Alguém queria dizer RTP1 e trocou o número. Vejamos: a RTP1 é um canal comercial perfeitamente alinhado com os outros dois concorrentes a quem disputa audiências e contra os quais desenha grelhas em “taco-a-taco”. Se existe aí algum tipo de serviço público, não me recordo de o ver. Não encontro, por isso, nenhuma boa razão “racional” para ser um canal público. 

Situação diferente é a da RTP2 que sem a pressão imediata dos “shares” consegue apresentar uma programação com qualidade e indubitavelmente com vocação de serviço público. Para ela eu não me importo de contribuir. Agora, se a RTP2 for privatizada, e comercialmente até deve valer pouco, os seus novos donos fatalmente terão que a gerir numa perspectiva empresarial pura (a menos que seja comprada por uma fundação, das a sério…). Além da perda efectiva da programação diferente e de qualidade da RTP2, passaria a haver em Portugal 4 canais comerciais a disputarem audiências e mercado de publicidade. Há espaço para isso? Penso que não.

Então… alguém me explica esta lógica?!? Não me vão dizer que é porque o poder quer manter a “tutela” num canal de grande audiência, pois não? É que esse argumento não vale, ou, pelo menos, não devia vale
r.

06 agosto 2012

"Acabei em sofrimento..."

Foram as últimas palavras de Dulce Félix ao comentar a sua participação na Maratona Olímpica, terminada em 21º lugar e que a imagem picada na net ilustra eloquentemente. Não tivemos medalha, mas 3 atletas nos primeiros 21 lugares não é de forma nenhuma um mau desempenho.

Há algo curioso aqui. O panorama dos países participantes em atletismo de fundo é completamente diferente, por exemplo, da natação. Aparecem poucos países ricos, proporcionalmente muito poucos. Nesta maratona, nos 25 primeiros lugares há :

Com 3 atletas: Quénia e Portugal;

Com 2 atletas: Etiópia, Rússia, China, USA, e Japão;

Com 1 atleta: Ucrânia, Itália, Namíbia, Alemanha, Austrália, Nova Zelândia Suécia, Holanda e Peru.

E com algumas “importações” … a Alemã nasceu no Cazaquistão, a Sueca e a Holandesa nasceram no Quénia. Porque será que nestas modalidades, que não são de forma alguma “menores” em termos de importância e significado, há poucos “ricos”? Porque os meios necessários, um par de sapatilhas e espaço, são de mais fácil acesso do que uma piscina? Isso explicaria a fraca representatividade de países “pobres” na natação, mas não a ausência dos ricos no atletismo de fundo. Porque os pobres têm mais capacidade para aguentar o sofrimento prolongadamente? E será que falta alguma coisa aos “pobres”, para lá das piscinas, para serem campeões de natação? Não sei, mas alguma coisa há-de haver…

05 agosto 2012

Finalmente as fundações

Eu imaginava que uma fundação era um organismo em que alguém com posses, como Calouste Gulbenkian ou Bill Gates, colocava uns activos significativos em vida ou em testamento, para serem usados em actividades sociais, culturais, científicas, etc. Isto é: para o bem da comunidade. Assim sendo justificariam algum tipo de privilégio público como isenções fiscais. No entanto o principal contributo viria sempre de quem criava a fundação e o Estado apenas contribuiria complementarmente e não necessariamente em espécie!

Surpreendido fiquei quando há uns tempos encontrei uma lista enorme de fundações cá do país, tanta gente endinheirada que por cá haveria e a colocar os seus bens em projectos filantrópicos.

Agora parece que, finalmente, se descobre que há instituições destas que funcionam principalmente, e algumas até exclusivamente, com financiamento público, em espécie, e que ainda por cima alimentando generosamente os seus quadros. Está explicado: é uma espécie de auto-filantropia! E pago eu.

01 agosto 2012

Mais uma estação...

Quando começou na Tunísia, toda a gente assobiou para o lado, é um acesso de febre que passará rapidamente. Enganaram-se todos e, imodéstia à parte, até eu… e Ben Ali caiu mesmo. Apesar da generosa exposição mediática proporcionada pela Al-Jazira, a causa principal foi mesmo a pressão popular interna.

Quando começou no Egipto, todos foram mais prudentes e, face à incerteza sobre o desfecho, apareceram os discursos públicos ambivalentes. E Moubarak caiu.

Quando começou na Líbia, já ninguém teve dúvidas, Khadafi iria seguir o mesmo caminho. No entanto a mobilização popular não foi suficiente para levar o processo até ao fim, mesmo com a fortíssima pressão mediática da Al Jazira, do Qatar. E então, Onus, Natos, States, Franças e Qataris tiveram mão pesada, teoricamente a proteger civis e na prática a garantir que Khadafi caía mesmo.

Hoje a Síria parece ir pelo mesmo caminho da Líbia e já se fala na necessidade de “proteger os civis”. Independentemente de todo mal que se pode dizer e constatar sobre o regime de El Assad, o que se passa na Síria não é certamente uma luta de “bons rebeldes” pela democracia e pela liberdade do povo. É a continuação da luta que dura há séculos entre os sunitas da península arábica e os xiitas que actualmente gravitam em torno do Irão. Se o Ocidente acha que o enfraquecimento do Irão é um efeito colateral positivo e desejável desta guerra, eu não estou assim tão convencido.

Que o Qatar e Arábia Saudita sejam uns paladinos e uns patrocinadores da liberdade e da democracia é, no mínimo, irónico. Que busquem aumentar a sua influência e a islamização sunita do Médio Oriente e Magreb, está na lógica das coisas. No entanto, não lhe chamem democratização nem presumam assim tão rapidamente que esses povos irão viver melhor no novo regime.

No norte do Mali, onde foi implantado uma espécie de estado islâmico radical graças às armas que sobraram do dilúvio que caiu na Líbia para “proteger os civis”, foi esta semana morto por delapidação (isto é: à pedrada mesmo) um casal, acusados e condenados pelo crime de viverem juntos e terem filhos sem serem casados.